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Autora revê raiz da arte engajada
Miliandre Garcia dribla leituras ideológicas do passado em "Do Teatro Militante à Música Engajada (1958-1964)"
Historiadora avalia que "manifesto" em defesa da instrumentalização política radical da arte não passou de uma "carta de intenções"
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Nada como o tempo para arrefecer paixões e tirar a poeira
das velhas caminhadas dos
olhos. Se funciona bem com a
história de um modo geral, o
distanciamento crítico que só o
passar dos anos pode conferir
torna-se ainda mais essencial
quando o assunto em questão é
algo arrebatador como a relação entre a juventude brasileira
dos anos 60 e a arte engajada.
Na tentativa de driblar leituras ideológicas sobre o período,
a historiadora paulista Miliandre Garcia, 31, resolveu, em "Do
Teatro Militante à Música Engajada (1958-1964)", tese de
mestrado agora transformada
em livro, colocar a lupa sobre o
assunto de modo a deixar
transparecer a heterogeneidade de discussões que foram levantadas a partir de dois marcos da arte de contestação da
época: o CPC (Centro Popular
de Cultura) e a chamada bossa
nova nacionalista.
O primeiro foi criado em
1961, no Rio de Janeiro, por artistas ligados a teatro, música,
cinema e literatura, e tencionava incentivar uma arte "nacional-popular" revolucionária. A
experiência durou até 1964,
quando a sede onde o CPC funcionava, na União Nacional dos
Estudantes, na praia do Flamengo, foi incendiada por grupos clandestinos de direita que
apoiavam o golpe militar de
1964. O CPC retornaria, depois,
"disfarçado", no show "Opinião", que reunia artistas como
Nara Leão, João do Vale e Zé
Kéti, e direção de Augusto Boal.
Garcia questiona o real impacto do "manifesto do CPC"
(1962), texto de Carlos Estevam Martins que defendia a
instrumentalização política radical da arte e justificava a interferência no conteúdo das
criações para torná-las mais didáticas e engajadas. Para ela, o
manifesto foi equivocadamente considerado pela historiografia como uma síntese dos
objetivos da produção militante. Com isso, a experiência teria
sido interpretada como um
movimento de intenções direcionadas no sentido de priorizar a mensagem política em detrimento da qualidade artística.
Garcia defende que o texto
não passou de uma "carta de intenções". "O CPC não teve um
projeto delineado por um conjunto de regras deliberadas. O
"manifesto" permitiu discutir o
engajamento artístico. Mas é
preciso reforçar que foi algo
que gerou mais controvérsia do
que consenso", disse à Folha.
A historiadora considera que
o "manifesto" foi supervalorizado como documento, e, com
isso, não se teria dado a devida
importância para o debate entre vozes dissonantes sobre o
tema, como as de Oduvaldo
Vianna Filho, Glauber Rocha e
José Guilherme Merquior.
Menosprezando o debate
suscitado a partir do texto de
Martins, a maioria das análises
que tomaram o CPC como objeto de estudo até hoje teria reproduzido não mais do que
uma primeira impressão sobre
o texto, concentrando-se no argumento de que o grupo não
atingiu seu principal objetivo: o
de chegar às massas.
Dilemas intelectuais
Já a bossa nova nacionalista é
retratada a partir da biografia
do cantor e compositor Carlos
Lyra. Sua trajetória é tomada
como símbolo dos dilemas dos
intelectuais de classe média.
Lyra sublinhava que, embora
fosse preciso buscar elementos
da cultura popular para enriquecer a bossa nova, os artistas
deveriam conscientizar-se de
que não podiam pretender conhecer as reais inquietações do
que chamavam de "povo".
"Costuma-se classificar a
bossa nova em duas vertentes:
a "intimista" [ligada restritamente à questão formal] e a
"nacionalista" [voltada para a
preocupação com o conteúdo].
Mas essa divisão não contempla artistas que se preocuparam simultaneamente com forma e conteúdo, a exemplo de Carlos Lyra, Vinicius de Moraes e Nara Leão", diz Garcia.
DO TEATRO MILITANTE À MÚSICA ENGAJADA
Autor: Miliandre Garcia
Lançamento: Editora Fundação Perseu Abramo
Preço: R$ 28 (160 págs.)
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