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São Paulo, segunda-feira, 14 de julho de 2003

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ANÁLISE

"A Turma do Gueto" sintoniza mudanças

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Hoje é dia de "A Turma do Gueto". Em meio ao marasmo que assola a programação televisiva, a terceira temporada do seriado exibido pela TV Record e produzido pela independente Casablanca vem conseguindo manter índices de audiência na casa dos dois dígitos -mesmo sem Netinho.
O apresentador e idealizador do programa não renovou seu contrato optando pela produção de uma aguardada alternativa, que trataria do universo popular fora da chave da violência.
Porém a nova temporada de "A Turma do Gueto" evitou a anunciada ênfase na barbárie usualmente associada às favelas e bairros pobres das grandes cidades.
O seriado manteve uma faceta de ação afirmativa. Pamela (Adriana Alves), a bela mulata, cujo nome lembra a personagem do tradicional "Dallas", além de estudar e namorar um dos chefões, continua a se desenvolver como estilista.
Os professores do colégio estadual, sugestivamente chamado Quilombo, permanecem engajados na missão de dedicação integral à formação de espíritos mais preparados. O novo professor protagonista (Lui Mendes) abre mão de um promissor emprego em uma grande empresa para se arriscar no estimulante ofício de ensinar em perigosas quebradas.
A nova temporada conta com Paixão de Jesus no papel da fogosa Gardênia, e Diana (Faina Espinosa), uma misteriosa personagem feminina, espiã supostamente de língua castelhana, embora sem sotaque, que se infiltra no movimento.
Esse misto de "Cidade de Deus" com "Ao Mestre com Carinho" mereceria um bom banho de produção de qualidade -roteiro, diálogos, cenário, atuação, edição- para talvez superar a média de 10 pontos no Ibope.
Mas, mais do que isso, poderia se tornar um interessante experimento de representação da violência, talvez o maior desafio para a produção audiovisual contemporânea.
Presentes há muito no cinema, a violência e a pobreza constituem duas das maiores ausências na teledramaturgia brasileira. Provavelmente é justamente por abordá-las, sintonizando mudanças no imaginário e no cotidiano, que o seriado se estabelece.
Mas em vez de simplesmente mimetizar o universo diariamente presente nos jornais, o programa poderia se atrever a sair da polaridade bom X mau negro pobre, para se aventurar em terrenos mais complexos da representação da violência, nem sempre associada à pobreza ou justificável pela carência material.
Embora possa parecer paradoxal, talvez a dramaturgia tenha justamente que abandonar o terreno conhecido do realismo para se aventurar em intervir em uma conjuntura tão carente de perspectivas.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP


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