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São Paulo, segunda-feira, 14 de julho de 2003

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DANÇA

Aposta da companhia em jovens coreógrafos brasileiros é inusitada e fundamental para desenvolvimento da arte

Cisne Negro se expõe ao novo com esmero

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Três coreografias: uma espiritual, elegante e sofisticada; outra sinuosa e dinâmica; a terceira livre e alavancada pela ginástica artística. Foram três diferentes estilos que a companhia Cisne Negro apresentou sexta passada no Teatro Municipal de São Paulo, reunindo, como de hábito, criações de coreógrafos brasileiros e estrangeiros.
"Danses Concertantes", de Mark Baldwin, e "Além da Pele", de Patrick Delcroix, ambas de 1998, ressaltam a alta qualidade dos intérpretes. A nova peça do repertório é "Anéis", de Dany Bittencourt, com música de Adriana Calcanhotto.
Em "Danses...", um balé neoclássico com música de Stravinsky (1882-1971), o espaço cênico é bem explorado pelas massas de corpos, nas diagonais e nas linhas laterais que cruzam o palco. Um grupo de mulheres abre o espetáculo em movimentos simples e sincronizados, como uma "parada", que se repete mais tarde com os homens. Segue-se uma série de solos, duos, trios etc., onde a dança clássica se aguça com passos sincopados e movimentos estilizados, quebrando as linhas.
Faz referências a Balanchine (1904-83), que também criou uma coreografia para as "Danses" de Stravinsky em 1972 -desde o ciclorama azul ao fundo até os figurinos, sem falar nos novos acentos para o clássico. Mas a relação com a música e a construção do encadeamento das cenas não chegam ao toque do mestre; a coreografia não pode se tornar repetitiva?
O ponto alto da noite foi "Além da Pele". Delcroix tem grande noção da cena, cuidadosamente elaborada. O palco se transforma, seja pelas luzes, seja por seu mecanismo: varas de luzes sobem no início, abrindo espaço para os seis casais. Refletores ao fundo, virados para a platéia, dão intensidade a tudo, junto com a fumaça que oculta e revela novas possibilidades de formação dos corpos.
Bailarino do Netherlands, Delcroix fez escola com Jirì Kylián, gênio dos duos. Os corpos dançam ao ritmo de Eddie "Flashin" Fowlkes, Doctor L., Arnaldo Antunes, Suba, Concord. Vibram, esticam, tremulam, fundem-se no fluxo do movimento. Emaranhados rítmicos, explorando a densidade de cada parte do corpo.
Uma coreografia controlada, em que a repetição dos movimentos em coro só ressalta o contraponto das individualidades.
Para encerrar a noite, "Anéis", coreografia encomendada. O simbolismo da aliança -do elo e do compromisso- ecoa nas brincadeiras infantis de passar anel, brincar de bambolê, girar e fazer rolar o aro no chão. Mas símbolos dessa natureza ameaçam se esvaziar, quando a dança aposta tanto na simplicidade. O menos nem sempre é mais.
A coreografia começa com mulheres; depois vêm os homens; no fim, a previsível união, com os aros que envolvem os casais. Também a luz desenha círculos no chão, marcando o espaço dos casais. Aros e círculos definem os figurinos. A música de Calcanhotto, "Maria Bonita", serve como ambiência sonora; as artes aqui não chegam a ser independentes, mas não criam novas relações.
A companhia Cisne Negro mantém, anos a fio, a qualidade dos intérpretes. Seu repertório é variado e agrada às mais diversas platéias. A aposta em jovens coreógrafos brasileiros não é hábito de toda companhia desse porte, mas será sempre fundamental para o desenvolvimento da dança. Se os resultados nem sempre estão à altura das expectativas, isso não muda em nada o acerto das apostas e a coragem de se expor ao novo, com o mesmo esmero com que cultiva o conhecido.


Avaliação:    


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