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DANÇA
Aposta da companhia em jovens coreógrafos brasileiros é inusitada e fundamental para desenvolvimento da arte
Cisne Negro se expõe ao novo com esmero
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
Três coreografias: uma espiritual, elegante e sofisticada;
outra sinuosa e dinâmica; a terceira livre e alavancada pela ginástica
artística. Foram três diferentes estilos que a companhia Cisne Negro apresentou sexta passada no
Teatro Municipal de São Paulo,
reunindo, como de hábito, criações de coreógrafos brasileiros e
estrangeiros.
"Danses Concertantes", de
Mark Baldwin, e "Além da Pele",
de Patrick Delcroix, ambas de
1998, ressaltam a alta qualidade
dos intérpretes. A nova peça do
repertório é "Anéis", de Dany Bittencourt, com música de Adriana
Calcanhotto.
Em "Danses...", um balé neoclássico com música de Stravinsky (1882-1971), o espaço cênico é bem explorado pelas massas
de corpos, nas diagonais e nas linhas laterais que cruzam o palco.
Um grupo de mulheres abre o espetáculo em movimentos simples
e sincronizados, como uma "parada", que se repete mais tarde
com os homens. Segue-se uma série de solos, duos, trios etc., onde a
dança clássica se aguça com passos sincopados e movimentos estilizados, quebrando as linhas.
Faz referências a Balanchine
(1904-83), que também criou uma
coreografia para as "Danses" de
Stravinsky em 1972 -desde o ciclorama azul ao fundo até os figurinos, sem falar nos novos acentos
para o clássico. Mas a relação com
a música e a construção do encadeamento das cenas não chegam
ao toque do mestre; a coreografia
não pode se tornar repetitiva?
O ponto alto da noite foi "Além
da Pele". Delcroix tem grande noção da cena, cuidadosamente elaborada. O palco se transforma, seja pelas luzes, seja por seu mecanismo: varas de luzes sobem no
início, abrindo espaço para os seis
casais. Refletores ao fundo, virados para a platéia, dão intensidade a tudo, junto com a fumaça que
oculta e revela novas possibilidades de formação dos corpos.
Bailarino do Netherlands, Delcroix fez escola com Jirì Kylián,
gênio dos duos. Os corpos dançam ao ritmo de Eddie "Flashin"
Fowlkes, Doctor L., Arnaldo Antunes, Suba, Concord. Vibram,
esticam, tremulam, fundem-se no
fluxo do movimento. Emaranhados rítmicos, explorando a densidade de cada parte do corpo.
Uma coreografia controlada,
em que a repetição dos movimentos em coro só ressalta o contraponto das individualidades.
Para encerrar a noite, "Anéis",
coreografia encomendada. O
simbolismo da aliança -do elo e
do compromisso- ecoa nas
brincadeiras infantis de passar
anel, brincar de bambolê, girar e
fazer rolar o aro no chão. Mas
símbolos dessa natureza ameaçam se esvaziar, quando a dança
aposta tanto na simplicidade. O
menos nem sempre é mais.
A coreografia começa com mulheres; depois vêm os homens; no
fim, a previsível união, com os
aros que envolvem os casais.
Também a luz desenha círculos
no chão, marcando o espaço dos
casais. Aros e círculos definem os
figurinos. A música de Calcanhotto, "Maria Bonita", serve como
ambiência sonora; as artes aqui
não chegam a ser independentes,
mas não criam novas relações.
A companhia Cisne Negro
mantém, anos a fio, a qualidade
dos intérpretes. Seu repertório é
variado e agrada às mais diversas
platéias. A aposta em jovens coreógrafos brasileiros não é hábito
de toda companhia desse porte,
mas será sempre fundamental para o desenvolvimento da dança.
Se os resultados nem sempre estão à altura das expectativas, isso
não muda em nada o acerto das
apostas e a coragem de se expor
ao novo, com o mesmo esmero
com que cultiva o conhecido.
Avaliação:
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