|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Relançamentos lembram criação do "estilo Bethânia"
Em discos gravados entre 1968 e 1970, cantora firmou
escolha pessoal de repertório e devoção a clássicos do rádio
Destaque entre os 4 CDs,
"Recital na Boate Barroco"
traz cantora insubordinada
e consciente das pequenas
imperfeições de seu canto
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Aproveitando os 60 anos da
cantora, completados em junho, a EMI lança versões remasterizadas em CD dos quatro discos de Maria Bethânia
que tem no acervo -a Universal e a Sony BMG lançarão os
seus em agosto.
"Âmbar" (1996) é um caso à
parte, mas os outros, feitos entre 1968 e 1970, formam uma
trilogia informal.
Dois deles são ao vivo e o de
69, embora de estúdio, tem um
clima propositalmente "ao vivo". Esse tipo de disco seria
uma constante na carreira da
cantora. Outras marcas que Bethânia cunharia começaram a
ser inscritas nessa trinca, pois
antes ela apenas lançara o disco
incipiente de 65 e o que dividiu
com Edu Lobo em 67.
Para investigar essas marcas,
o mais significativo é "Recital
na Boate Barroco", de 68. Veja
por que.
1) Depois de abrir o show
com "Marginália 2", peça explicitamente tropicalista da dupla
Gilberto Gil/Torquato Neto,
Bethânia faz um aviso-manifesto à platéia: "Estou cantando
as músicas que eu gosto e da
maneira que eu gosto." E
emenda o clássico "Carinhoso",
abrindo uma série de músicas
antigas. No fim, ela volta à Tropicália, com Gil e Caetano (inclusive "Baby"). Ou seja, já no
início da carreira, não admitia
patrulhas em suas escolhas.
2) Embora a bossa nova tenha nascido nas boates, seus
devotos Caetano e Gil tinham
como habitat os meios de comunicação e os palcos aptos a
performances midiáticas. Já
Bethânia, fã ardorosa de sons e
tons sombrios, grava ao vivo em
uma boate de Copacabana -e,
para reforçar a metalinguagem,
chamada Barroco.
3) Na contracapa do disco,
Ferreira Gullar escreve: "Estou
dizendo que cantar bem não é
cantar correto. (...) Cantar bem
é cantar como Bethânia canta:
com o calor da vida." Tradução
perfeita para o estilo dela e, por
tabela, para o estilo afinado-certinho que muita gente prioriza. O poeta ainda cita uma bela frase da cantora: "Sei que desafino às vezes. Mas eu também
desafino na vida."
Sem medo de boleros, tristezas e excessos de interpretação,
Bethânia tira o fôlego de quem
a ouve ao interpretar obras-primas como "Último Desejo",
"Camisa Listada", "Marina", "O
que Tinha de Ser", "Molambo"
e "Lama".
No disco seguinte, ela diversifica as opções, abrindo mais
seu leque de gostos.
Inclui um ponto de macumba, grava um pot-pourri carnavalesco, encampa um hit do
momento ("Andança"), mostra
uma parceria Caetano/Gullar
("Onde Andarás"), mas não se
esquece de Caymmi ("Dois de
Fevereiro") e das belas canções
de dor ("Preconceito", "Duas
Contas").
Se há um segmento forte nesse "Maria Bethânia", é o diálogo
com Edu Lobo. Ela canta com
extrema delicadeza "Pra Dizer
Adeus" e "O Tempo e o Rio",
que estavam no seu disco com
Edu, e ainda "Frevo Número
Dois do Recife", música de Antonio Maria que sempre foi das
favoritas do amigo de família
pernambucana.
"Maria Bethânia Ao Vivo", de
70, sofre com as invasões da orquestra de cordas, como bem
anota o pesquisador Rodrigo
Faour no encarte. Deixassem a
versão realmente ao vivo, feita
com piano, baixo e bateria, o resultado seria melhor.
Ainda assim, emocionam
"Nada Além", a música preferida de dona Canô, mãe da cantora; "Com Açúcar, com Afeto",
primeira canção de Chico
Buarque a ser gravada por Bethânia; e "Irene" e "Os Argonautas", que Caetano fizera antes do período de exílio em
Londres.
CD recente, superproduzido,
"Âmbar" só dialoga com os outros por se confirmar nele a Bethânia de sempre: de olho nos
novos (Adriana Calcanhotto,
Chico César), nos clássicos
("Quando Eu Penso na Bahia",
em dueto com Chico Buarque,
e "Chão de Estrelas") e no amor
à música ("Eterno em Mim", de
Caetano).
Texto Anterior: CDs Próximo Texto: "Senhora Macbeth" investiga sede de poder Índice
|