São Paulo, sexta-feira, 14 de julho de 2006

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Relançamentos lembram criação do "estilo Bethânia"

Em discos gravados entre 1968 e 1970, cantora firmou escolha pessoal de repertório e devoção a clássicos do rádio

Destaque entre os 4 CDs, "Recital na Boate Barroco" traz cantora insubordinada e consciente das pequenas imperfeições de seu canto


LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Aproveitando os 60 anos da cantora, completados em junho, a EMI lança versões remasterizadas em CD dos quatro discos de Maria Bethânia que tem no acervo -a Universal e a Sony BMG lançarão os seus em agosto.
"Âmbar" (1996) é um caso à parte, mas os outros, feitos entre 1968 e 1970, formam uma trilogia informal.
Dois deles são ao vivo e o de 69, embora de estúdio, tem um clima propositalmente "ao vivo". Esse tipo de disco seria uma constante na carreira da cantora. Outras marcas que Bethânia cunharia começaram a ser inscritas nessa trinca, pois antes ela apenas lançara o disco incipiente de 65 e o que dividiu com Edu Lobo em 67.
Para investigar essas marcas, o mais significativo é "Recital na Boate Barroco", de 68. Veja por que.
1) Depois de abrir o show com "Marginália 2", peça explicitamente tropicalista da dupla Gilberto Gil/Torquato Neto, Bethânia faz um aviso-manifesto à platéia: "Estou cantando as músicas que eu gosto e da maneira que eu gosto." E emenda o clássico "Carinhoso", abrindo uma série de músicas antigas. No fim, ela volta à Tropicália, com Gil e Caetano (inclusive "Baby"). Ou seja, já no início da carreira, não admitia patrulhas em suas escolhas.
2) Embora a bossa nova tenha nascido nas boates, seus devotos Caetano e Gil tinham como habitat os meios de comunicação e os palcos aptos a performances midiáticas. Já Bethânia, fã ardorosa de sons e tons sombrios, grava ao vivo em uma boate de Copacabana -e, para reforçar a metalinguagem, chamada Barroco.
3) Na contracapa do disco, Ferreira Gullar escreve: "Estou dizendo que cantar bem não é cantar correto. (...) Cantar bem é cantar como Bethânia canta: com o calor da vida." Tradução perfeita para o estilo dela e, por tabela, para o estilo afinado-certinho que muita gente prioriza. O poeta ainda cita uma bela frase da cantora: "Sei que desafino às vezes. Mas eu também desafino na vida."
Sem medo de boleros, tristezas e excessos de interpretação, Bethânia tira o fôlego de quem a ouve ao interpretar obras-primas como "Último Desejo", "Camisa Listada", "Marina", "O que Tinha de Ser", "Molambo" e "Lama".
No disco seguinte, ela diversifica as opções, abrindo mais seu leque de gostos.
Inclui um ponto de macumba, grava um pot-pourri carnavalesco, encampa um hit do momento ("Andança"), mostra uma parceria Caetano/Gullar ("Onde Andarás"), mas não se esquece de Caymmi ("Dois de Fevereiro") e das belas canções de dor ("Preconceito", "Duas Contas").
Se há um segmento forte nesse "Maria Bethânia", é o diálogo com Edu Lobo. Ela canta com extrema delicadeza "Pra Dizer Adeus" e "O Tempo e o Rio", que estavam no seu disco com Edu, e ainda "Frevo Número Dois do Recife", música de Antonio Maria que sempre foi das favoritas do amigo de família pernambucana.
"Maria Bethânia Ao Vivo", de 70, sofre com as invasões da orquestra de cordas, como bem anota o pesquisador Rodrigo Faour no encarte. Deixassem a versão realmente ao vivo, feita com piano, baixo e bateria, o resultado seria melhor.
Ainda assim, emocionam "Nada Além", a música preferida de dona Canô, mãe da cantora; "Com Açúcar, com Afeto", primeira canção de Chico Buarque a ser gravada por Bethânia; e "Irene" e "Os Argonautas", que Caetano fizera antes do período de exílio em Londres.
CD recente, superproduzido, "Âmbar" só dialoga com os outros por se confirmar nele a Bethânia de sempre: de olho nos novos (Adriana Calcanhotto, Chico César), nos clássicos ("Quando Eu Penso na Bahia", em dueto com Chico Buarque, e "Chão de Estrelas") e no amor à música ("Eterno em Mim", de Caetano).


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