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CRÍTICA
"Nip/Tuck" acerta ao radicalizar a crítica
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Pouco menos de um ano
atrás, esta coluna fez um julgamento um tanto severo sobre
"Nip/Tuck". O seriado, que acabou de estrear sua segunda temporada no canal por assinatura
Fox, continua sendo estética e
moralmente repugnante, mas
tem lá seu interesse.
Em primeiro lugar, a partir de
um determinado momento já na
primeira temporada, perdeu o
tom quase policial que permeava
seus primeiros episódios e ganhou em humor e drama. Sorte
do seriado, que poderia ter se
tornado um cruzamento glamouroso entre "CSI" e "Extreme
Makeover" -com tudo que há
de esquisito nessa junção.
Do primeiro, ele mantém o hiperrealismo do horror -há cenas explicitíssimas de bisturis
cortando carne humana, agulhas
costurando pele e coisas amenas
do tipo. Mas em vez de transformar a ciência em auxiliar da lei e
da ordem como faz a série policial, em "Nip/Tuck" há uma
ciência extremamente perversa,
uma medicina nada humanista,
quase oposta à idéia de bem-estar, completamente servil à uma
espécie de perfeição só verificável
em coisas e não em pessoas.
Nesse sentido, lida com humor
e ironia -pela caricatura, pelo
exagero, pela desfaçatez- com
os mesmos elementos que "Extreme Makeover", ou seja, obsessão pela forma física e pela beleza, leva a sério. Além disso, enquanto "Extreme Makeover" parece prometer que a perfeição
existe em algum lugar de Beverly
Hills, é só se submeter às múltiplas torturas físicas e mentais dos
procedimentos cirúrgicos que o
mais torto dos seres chega lá, em
"Nip/Tuck" o drama se faz pela
constatação constante e cruel da
renitente imperfeição humana.
Na verdade, essa inflexão mais
crítica nos roteiros também apareceu a partir do meio da primeira temporada e, ao que tudo indica, será a tônica da segunda. Com
os personagens principais, os
médicos Christian (Julian
McMahon) e Sean (Dylan
Walsh), completando 40 anos
(tema desse primeiro episódio),
a possibilidade de criar situações
de conflito que explorem essa
contradição se multiplicam.
Além disso, as piadas radicalizaram e melhoraram. Numa daquelas cenas pavorosas de cirurgia, a música de fundo era "Eyes
Without a Face" -e era quase
que literalmente isso, olhos sem
rosto, que se poderia ver na tela...
Mas ainda é preciso ter estômago, tanto para agüentar a brutalidade dos procedimentos cirúrgicos -talvez a plástica seja a mais
aflitivas de ser assistida das operações, uma vez que ainda dá para identificar o que está sendo
cortado e furado e puxado- como do substrato ideológico que
se adivinha em "Nip/Tuck". Ainda que tenha carregado no humor negro e numa certo acirramento do teor crítico, trata-se de
um seriado de TV e se mantém
na superfície. No fundo, subsistem noções quase eugênicas sobre a aparência e a beleza que,
por vezes, também provocam
uma certa náusea.
biabramo.tv@uol.com.br
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