São Paulo, domingo, 14 de agosto de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FERREIRA GULLAR

Ópera do "Mensalão" (alegre, mas não tanto)

Cena 1
Lula e um jornalista.
Jornalista - Presidente Lula, o deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB, partido que compõe a base do governo no Congresso, está sendo acusado de corrupção. O que o senhor tem a dizer sobre isto?
Lula - Escute: minha mãe, que nasceu analfabeta, sempre me disse que a imprensa não merece confiança. O deputado Roberto Jefferson é nosso companheiro e, como companheiro, tem todo o meu apoio. Confio nele a tal ponto que seria capaz de lhe dar um cheque em branco e ir dormir tranqüilo.
Cena 2
Roberto Jefferson e Waldemar Costa Neto na CPI dos Correios.
Jefferson (a Waldemar) - Cale a boca, o senhor era um que recebia o "mensalão" do PT.
Waldemar - Isto é uma calúnia! Vossa Excelência é um mentiroso! Em defesa de minha honra vou processá-lo como caluniador e pedir a cassação de seu mandato!
Jefferson - Quá, quá, quá! Você vai me processar? É uma piada? Nobre deputado, eu até que simpatizo com seus hábitos... Lembra aquela moça sem calcinha que o senhor levou para o camarote do presidente Itamar no Carnaval? O senhor tem bom gosto, adora mulheres e gosta de jogar...
Waldemar coça a sobrancelha e fica mudo.
Cena 3
Dias depois.
Waldemar - Dirijo-me à Comissão de Ética para pedir a cassação do mandato do deputado Roberto Jefferson, um criminoso cuja simples presença mancha a dignidade do Congresso Nacional!
Jefferson (cantando) - La donna è mobile...
Cena 4
No estacionamento da Câmara. Waldemar e Jefferson.
Waldemar - Jefferson, querido amigo, vamos pôr de lado nossas diferenças. Você retira de público a acusação que me fez e eu desisto do pedido de cassação de seu mandato.
Jefferson (cantando) - La donna è mobile... (Muda de tom) Deputado Waldemar, já sublimei a perda de meu mandato. Estou disposto a acabar com a festa.
Waldemar - Pára com isso, cara! Um acordo é sempre melhor que uma peleja.
Jefferson - Não faço acordo com corruptos.
Waldemar - Quem fala! Você é um corrupto confesso. O que fez com os R$ 4 milhões que recebeu do PT? Pensa que vai sair desta numa boa?
Jefferson - Mas levo todos vocês comigo. Sou o homem-bomba, não sabia?
Cena 5
Semanas depois. Descobre-se que Waldemar recebeu dinheiro do "mensalão".
Waldemar - Dirijo-me ao presidente desta Casa e aos senhores deputados para informar que, neste momento, renuncio ao meu mandato de deputado federal.
Silêncio no Plenário.
Waldemar - Tomei esta decisão, senhor presidente e senhores deputados, para mostrar que ainda existem homens dignos neste país!
(Risos)
Waldemar - Chamo a mim toda a responsabilidade pelos recursos não contabilizados que foram entregues a meu partido.
Jefferson - Melhor dizendo, o "mensalão"...
Enquanto isso, em Garanhuns.
Lula (chorando no palanque) - A mãe de todo mundo nasceu sabendo ler, só a minha nasceu analfabeta!
Suplicy - Sempre disse que a solução era a renda mínima.
Waldemar - Como estava dizendo, senhor presidente, se renuncio a meu mandato, é para resguardar a minha honra e a honra de meu partido. Admito que recebi dinheiro não contabilizado e também não o contabilizei, mesmo porque a contabilidade nunca foi o meu forte. De qualquer modo, minha conduta foi incompatível com o exercício do mandato parlamentar. Por isso renuncio.
Jefferson - O nobre deputado é um hipócrita. Está renunciando para não ser cassado e poder se candidatar nas próximas eleições.
Waldemar - Vossa Excelência é que é um crápula e vai ter que responder pelos crimes que cometeu.
Severino - Chega de bate-boca! Desejo saudar o gesto admirável do nobre deputado Waldemar, que dá assim um exemplo de desprendimento e grandeza moral para as futuras gerações. Nobre deputado, Vossa Excelência honra o Congresso Nacional!
(Risos)
Jefferson - Também um Congresso como este!
O povo nas ruas (vaiando) - Uh, uh, uh, uh!!
Suplicy (em voz baixa) - Sempre disse que a solução é a renda mínima.
Cena 6
CPI dos Correios. Silvinho depõe.
Deputado - O senhor pode dizer o seu nome completo?
Silvinho - Reservo-me o direito de só responder em juízo.
Deputado - Muito bem. Diga então quanto o senhor recebe de salário como secretário-geral do PT.
Silvinho - O nobre deputado está de gozação!
Deputado - Estou informado de que o senhor recebe por volta de R$ 9.000. Pode explicar como, com esse salário, pôde adquirir uma caminhonete Land Rover, que custa mais de R$ 70 mil?
Silvinho - Reservo-me o direito de não responder, Excelência.
Deputado (exibindo um papel) - Aqui está a prova de que o senhor possui uma caminhonete Land Rover.
Um executivo (entrando intempestivo) - Fui eu que dei este carro de presente ao Silvinho. Somos amigos de infância.
Silvinho (ao executivo) - Você não devia ter revelado essa nossa amizade, que é uma coisa pura demais para misturar com tanta sujeira!
Executivo - Nada disso, caro amigo. A verdade deve ser dita.
(Gargalhadas)
Severino - Vossas Excelências acabaram de dar um exemplo de dignidade que honra este país!
(Gargalhadas)
Heloisa Helena - Dou graças a Deus por eles terem me expulsado do PT!
Suplicy - Sempre disse que a solução é a renda mínima, mas não quiseram me ouvir...
(Pano rápido)
Informa-se que foi finalmente proposto o uso do detector de mentiras nas CPIs do Congresso Nacional.

Texto Anterior: Crítica: "Nip/Tuck" acerta ao radicalizar a crítica
Próximo Texto: Panorâmica - Ilustrada: Morre aos 67 o humorista Francisco Milani
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.