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CRÍTICA
Filme é um
mergulho no
imaginário
do enviado a Gramado
Moradores de uma favela falam sobre como vivem no dia-a-dia sua experiência religiosa.
Um é motorista, outra é stripper, outra é dona-de-casa.
Quase todos se declaram católicos, mas aos poucos revelam
sua complexa relação diária
com guias, espíritos, e exus.
Cada um deles é filmado em
algum lugar de sua casa -a cozinha, o sofá da sala, o quintal-, com uma câmera quase
sempre fixa. Os únicos sons
que se ouvem, além da fala desses personagens e das eventuais perguntas do diretor do
filme, são os sons ambientes:
um cachorro latindo, uma arara, uma criança que chora, uma
canção no rádio.
Descrito assim, o filme parece um porre. Mas é uma das
obras mais vibrantes e contundentes dos últimos tempos.
Não foram poucas as pessoas
que saíram às lágrimas de sua
exibição, em Gramado.
Em "Santo Forte", Coutinho
leva ao extremo a depuração de
seu cinema. Em vez de esconder a presença da câmera, como nos documentários que simulam ser um olho invisível a
revelar "as coisas como são", o
diretor escancara seu filme como o produto de uma situação
de filmagem.
Cada personagem constrói
sua identidade diante da câmera e acaba revelando coisas que
talvez não revelasse nem para
si próprio. Aos poucos, desenha-se um mundo de contradições de classe, raça e gênero.
Um homem conta, com notável talento dramático, como
o espírito de sua mãe baixou
em sua mulher. Uma velha descreve a morte da irmã, fulminada pela pomba-gira numa fila de banco, e explica porque
acha que é a reencarnação de
uma rainha egípcia.
Não há artifício cinematográfico nenhum para inflar a dramaticidade dessas histórias. A
vida está ali, pulsando, com todas as suas arestas e desvãos.
A arte de Coutinho -em que
a estética não se separa da ética- consiste em despir-se de
toda "arte" e fazer do cinema
um instrumento insubstituível
de conhecimento humano.
(JGC)
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