São Paulo, sábado, 14 de setembro de 2002

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"BIOGRAFIA DE UMA ÁRVORE"

Novos versos do poeta gaúcho compõem quarto capítulo de seu "romance versificado"

Carpinejar acerta as contas com Deus

ROGÉRIO EDUARDO ALVES
DA REDAÇÃO

Os versos de "Biografia de uma Árvore" buscam acertar as contas com Deus. Sem transcendência, as palavras do gaúcho Fabrício Carpinejar, 29, mergulham no estado vegetal estabelecendo um contraponto com a superficialidade e espetacularidade do agora. "Uma árvore biografada é a culminância do anonimato."
Parte quatro de um romance-palimpsesto que vem sendo "descascado" em livros anteriores -"As Solas do Sol" (98), "Um Terno de Pássaros ao Sul" (2000) e "Terceira Sede" (2001)-, esta apresenta a poesia no que ela tem de vertebral. Jornalista em São Leopoldo (RS), Carpinejar conversou com a Folha.

Folha - O poeta ouve a voz de Deus na "orelha da árvore"?
Fabrício Carpinejar -
A poesia é a orelha da árvore, ouvido do orvalho, audição das vacilações e das pequenas derrotas. Deus não fala, o homem povoa seu silêncio e gasta seu nome para se aliviar do próprio juízo. Combato a idéia fácil de transcendência na poesia brasileira. Deus aparece no livro na segunda pessoa e sempre em minúscula, no tratamento direto, com a paridade dos ombros. Ao cabo, é demitido por justa causa. Ser demitido é a morte contemporânea e possível de Deus, um desdobramento da morte descrita por Nietzsche. Demitir Deus é como tirar sua funcionalidade de mercado, a produtividade dos dias, a tutela por nosso destino.

Folha - Qual a função da poesia?
Carpinejar -
A função da poesia é não ter função, é dar prazer. Presta por ser imprestável. Não entendo como escritores ainda a enxergam como uma monarquia e brigam pela realeza, procurando encontrar um sucessor de Drummond, Bandeira e Cabral.

Folha - É possível fazer uma literatura agradável nestes tempos?
Carpinejar -
É possível fazer uma literatura agradável, sem confessionalismo e chantagens, abrindo as artérias do cotidiano. Nas últimas décadas, a poesia se afastou do leitor porque ficou todo o tempo poetizando o poema. Acho que o lirismo brasileiro recebeu agora alta da metalinguagem excessiva e largou o divã, disposto a recuperar a fluência das ruas.

Folha - Sua poesia beira a prosa e às vezes usa essa forma e cria personagens, como num romance.
Carpinejar -
Busco uma música rugosa, áspera, o pensamento da partitura, composto de pancadas da consciência. A intenção é fazer versículos quebrados, uma bíblia desfalcada. Minhas obras são interligadas como capítulos de um romance versificado. Vejo a poesia como um ato de raspagem, de limpeza do palimpsesto. Tudo o que eu queria dizer estava soterrado na minha estréia.

Folha - Por que o ano de 2045 para situar este livro?
Carpinejar -
A data de 2045 segue os acontecimentos da minha obra anterior, na qual a velhice é antecipada por medo de o protagonista morrer antes. Em 2045, terei 72 anos. "Biografia" começa na data de meu aniversário de 73 anos. Nasci em 72, portanto, trata-se de um apocalipse íntimo.


BIOGRAFIA DE UMA ÁRVORE. De: Fabrício Carpinejar. Editora: Escrituras. Quanto: R$ 17 (104 págs.).



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