São Paulo, terça-feira, 14 de dezembro de 2004 |
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FERNANDO BONASSI Brigas de brancos Todos os brancos deveriam
ser iguais perante as próprias leis neste país. Mas nada é
tão claro assim. E, por falar em
"país", em "nada" e em "clareza",
este texto trata de brancos bacanas e sensacionais, dotados de
grande esperteza, os maiores
brancos nacionais. Não são melhores que os diferentes, mas são
especiais. São brancos que parecem inocentes, quase transparentes, passando ilesos por inquéritos
policiais. Esses brancos de que falamos parecem tantos, mas não
são muitos. Branco, no caso, é
mais que um sinal cromático, é
um estado de espírito de acordo
com certos parâmetros materiais.
Repare bem em quem é mesmo
branco entre os demais: os brancos em questão estão sempre indo
e vindo entre coquetéis de camarão. Alguns dessa seleção até podem ser sinceros, pois, como é sabido e são sabidos, perderam a
vergonha de buscar sentido em
seu sucesso a qualquer preço. É
que ser branco custa caro: são
carros do ano, panos importados,
supositórios de vitamina, cocaína
de qualidade, mulheres de último
tipo e modelos a escolher. Podem,
sem querer, ser ilustrados, graduados, bem nascidos. Também
podem ser broncos, viciados, carreiristas. Arrivistas sorridentes e
alvos evidentes de terroristas, exibem-se solenemente em programas de produtores independentes
e nas ilhas latifundiárias das revistas de fofocas mercenárias, em
praias assinadas e poses pornográficas. Não ganham nada com
isso. São prostitutas vaidosas de si
mesmas, abanando as coxas vaporosas e os rabos avantajados
em terras de cegos, analfabetos e
esfomeados. A isso os políticos
chamam de "prestígio" e os artistas de "boca livre", esquecendo-se
que se prendem e se enterram nas
trevas dos compromissos com
agenciadores de produtos e serviços hilariantes. Tudo é uma questão de "opportunity", dizem os bilingües importantes e traficantes
de intrigas. Um branco não tem
salário; pode ser mercenário,
mensageiro ou empresário! Tem
estima, tem patrocínio, tem crediário! Mas entre brancos há
muitas brigas! Esses brancos brigam em toda parte: brigam na
Itália, no Iraque, no Brasil e até
naquele lugar, se for o caso, ou o
ocaso. No final da guerra civil
russa, por exemplo, os vermelhos
acabaram com os brancos; mas,
como em toda parte, eles amarelaram, empalideceram, esbranquiçaram. Hoje têm até vergonha
de denominações revolucionárias
em sua agremiaçõezinhas partidárias. Na verdade, esses brancos
estão sempre em boas companhias: de petróleo, de telefonia, de
agiotagem, de espionagem. São
brancos exclusivos, brancos competitivos e cheios de curiosidade
uns pelos outros! São brancos que
brigam por bancos, com propostas que se atacam pelas costas. E
há dinheiro de todas as cores para
que esses brancos se misturem
bem com eles, evitando desaparecer na pobreza ou podreza de sua
palidez. Assim asseguram os especialistas em moda, que agora ocupam postos no Estado, na mídia e
no mercado, como se fossem analistas meteorológicos de fenômenos psicológicos. A bolsa de seus
valores é branca, mas a mala que
os alavanca, essa é preta, é maldita e fechada, aberta somente mediante garantias. É garantido que
são brancos aos trancos e barrancos, mas não são burros. São protegidos, são estimados, são nutridos por votos de cabresto e compromissos de cabrito, pulando de
galho em galho como macacos lisos, suados e fedidos. Que não se
iludam os socialistas: são brancos
capitalistas, ainda que vejam espetáculos de crescimento onde os
mais jumentos vêem concentração de renda e carga tributária
para carregar no lombo. Podem
ser bonzinhos, podem ser barbudos, podem ser bicheiros, podem
ser ministros, podem ser opositores e até coletores de lixo. São lixeiros muito limpos, nunca pondo a mão nos detritos que produzem e nas fezes que dispensam
nos revezes. Essa é a história de
seu progresso mixo: fazem sem
vergonha seus serviços esquisitos
na entradas e saídas dessa comédia histórica. A piada é retórica:
são brancos sem preconceitos,
desde que estabelecidos os preceitos do que é considerado defeito
nas misturas raciais. Branco bom,
de qualquer tipo, é branco rico,
bem vestido; seja mulato, seja
mulher, seja marido. Pode haver
negros e índios entre eles, mas,
quando de repente se metem nessas causas imorais, se descoram
culturalmente dos normais. Nada
é surpreendente na biologia desse
galinheiro. Têm mentalidade de
encrenqueiros, mas não são ladrões de galinha. São sim capazes
de dar um boi morto como entrada onde haverão de sair com a
boiada gorda financiada. Sua
carne será exportada. A do gado e
a nossa. O fato é que esses brancos
não são francos, obscurecendo as
estratégias de sua ascensão escandalosa e os objetivos de sua acumulação duvidosa. São brancos
que podem se sujar por qualquer
coisa que valha a pena: um jantar, uma cena, um decote. São esses brancos que dão calote e escapam, que estupram, mas não matam e que estupram porque é barato (normalmente a vítima mora ao lado, nos fundos, ou cumpre
horário como funcionário). Há
aqueles que matam sem estuprar,
deixando de gozar duplamente
como fazem os mais experientes.
Se os brancos brigam por diversos
motivos e estilos a saber, uma coisa é certa: um branco autêntico
briga é por poder. Não só o poder
de fazer o que bem entender, que
não se entendem bem além de si
mesmos, mas o poder de ser ungido e adorado, andar de carro
blindado e com motorista armado, cujos colarinhos encardidos
servem de moldura escura às denúncias escancaradas, espetacularmente arquivadas por juízes e
advogados que não se acham nas
marmeladas combinadas. A elite
desses brancos suicidas armará a
cilada perdulária do futuro,
quando pagaremos com juros sua
incorreção monetária. |
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