São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2008

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Ilustrada 50 Anos

Quem paga a conta?

Com tudo acessível a toda hora e em qualquer lugar, resta a pergunta: como remunerar quem produz arte?

Indio San & Dimitre/Foto Leonardo Wen/Folha Imagem
INCENTIVO
Bailarina da companhia canadense Cirque du Soleil, que se apresentou no Brasil com recursos autorizados pelo MinC


GUILHERME WERNECK
ESPECIAL PARA A FOLHA

A idéia de que tudo estará à mão, instantaneamente, é a que predomina quando se coloca sob a perspectiva tecnológica o futuro da produção e do consumo cultural. A boa notícia: é quase certo que, em 2018, quando a Ilustrada for lida pela internet, ninguém precisará de uma máquina de escrever colada a um aparelho de TV para acessá-la. O computador, assim como todos os gadgets daqui a dez anos, caberá no bolso. Será ativado por voz, projetará filmes, tocará música e escreverá o que você ditar, corrigindo os erros.
Essa visão foi coletada depois de conversar com quatro pensadores da tecnologia e da cultura que não têm medo de arriscar palpites: Chris Anderson, editor da revista "Wired", Joichi Ito, CEO do Creative Commons, Silvio Meira, cientista-chefe do C.E.S.A.R. (Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife) e Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV-RJ. Para Lemos, um fenômeno que já é observado agora, a nuvem computacional é a chave para se ter tudo na mão. "É o fim da era do iPod, da troca de arquivos. Tudo migra para a rede e você acessa com qualquer dispositivo, a qualquer hora, em qualquer lugar."
Silvio Meira partilha da visão, mas não deposita tanta fé no "cloud computing". "Hoje tenho um celular que é mil vezes mais rápido do que o computador do MIT em 1965. No futuro, com a internet ultra-rápida, vou sintonizar serviços, e a rede vira uma estação de rádio bidimensional, que atende aos meus comandos", diz. "Mas uma parte da computação vai continuar na mão das pessoas", completa.
Mais prudente, Joi Ito acredita que a rede estará sempre ligada e em todo lugar, mas tem dúvidas quanto a ela ser acessada livremente. "Hoje as maiores nuvens são fechadas. Ainda vai demorar para que o streaming tenha um custo baixo, então o iPod ainda será economicamente necessário", pondera. O caso de filmes será similar, mas ninguém acha que o ato de ir ao cinema acabará. "Hollywood não quer fazer filmes para telas pequenas. Fará as duas coisas, mas vai ganhar em experiências, como exibições 3D, Imax", diz Chris Anderson.
Ronaldo Lemos crê que o cinema se tornará uma atividade de nicho. "Isso não significa que a produção audiovisual diminui, mas que ela assume outras formas, talvez mais colaborativas", arrisca. Silvio Meira imagina a possibilidade de reproduzir a mesma sensação de estar no cinema, em casa.
"Você vai poder marcar uma sessão sincronizada com outras 5.000 pessoas. Sentamos num ambiente imersivo e o meu canal passa o filme e capta as informações das pessoas que estão assistindo." No caso de livros, novos leitores deverão dar lugar aos e-books de hoje. Coisas mais agradáveis como papel plástico e a e-tinta, que emulam a sensação do papel, servirão para a leitura. Lemos diz que, por conta dos novos gadgets, surgirá uma nova literatura voltada para o meio. "O romance existiu por causa do formato livro. "Guerra e Paz" foi feito para ler no inverno russo. O livro vai migrar para objetos móveis, e faremos literatura para eles."
Com tudo acessível a toda hora e em todo lugar, resta a pergunta: quem paga a conta? Como remunerar quem produz arte? "As leis da economia do século 21 não mudam, mas são diferentes das de Adam Smith. O gratuito passa a ser uma opção, mas também há modelos com menor margem de lucro e mais abrangência. Outra questão em jogo é a reputação de quem faz, como no caso da venda do "In Rainbows", do Radiohead", diz Chris Anderson. "A escassez na produção acabou e não há o que fazer do ponto de vista econômico. A informação é abundante, o que é escasso é o tempo, a atenção", completa Lemos.
Para ele, o desafio dos novos modelos de negócios é chamar a atenção do consumidor e não apenas vender os produtos.

GUILHERME WERNECK é editor da "Trip"


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