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Ilustrada 50 Anos
Do paradoxo ao impasse
Financiamento seguirá sendo público, mas papel do estado precisa ser rediscutido
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
As engrenagens da produção
cultural no Brasil operam sob
um paradoxo. Principal peça da
estrutura de financiamento à
cultura, a Lei Rouanet nunca
foi tão usada em seus 18 anos de
vigência -movimentou cerca
de R$ 1 bilhão em 2007-, nem
tão arduamente combatida pelo MinC (Ministério da Cultura), órgão que a opera.
"Esse mecanismo beira a farsa. Não construiu responsabilidade social, não criou um capitalismo cultural, não fortaleceu
empresas; pelo contrário, os
produtores viraram dependentes, precisam de uma dose diária de Lei Rouanet para sobreviver", diz o ministro da Cultura, Juca Ferreira.
O instrumento constituiu a
primeira experiência de fomento à cultura com base em
incentivo fiscal no Brasil, autorizando o destino de parte do
Imposto de Renda à realização
de projetos culturais previamente aprovados pelo MinC.
"A concentração dos recursos no eixo Rio-SP é de 80%. O
interesse básico do empresariado que se associa à lei é financiar quem já é consagrado,
para ter retorno de imagem. O
Estado disponibilizou recursos
para aprofundar as distorções
sociais e regionais do Brasil",
afirma Ferreira.
A preocupação do ministro
"é legítima, mas está mal aplicada no caso da Lei Rouanet",
avalia o secretário estadual de
Cultura de São Paulo, João Sayad, que cita a participação da
região Sudeste de 73% no PIB
(Produto Interno Bruto).
"A distribuição de recursos
entre a federação é um tema
delicado. Nessa discussão, SP e
o Sudeste apanham, porque, do
ponto de vista populista, é um
argumento fortíssimo. Há até
hoje quem acredite que o Nordeste é pobre porque São Paulo
é rico, quando, na verdade, é o
contrário. O Nordeste é menos
pobre porque São Paulo deu
um pouco certo", diz Sayad.
A intenção de reformar a Lei
Rouanet está expressa no programa de Lula à Presidência
nas eleições de 2002, porém,
nunca foi feita. O MinC já promoveu incontáveis seminários
para tratar do tema.
As discussões, no entanto, resultaram em pouco mais que
uma extensa lista de lamentações, cujo fundamento é a reivindicação por mais dinheiro e
mais facilidade para obtê-lo.
Entre artistas, é espinhoso o
tema da desnecessidade do público, um efeito do uso da lei,
que o ministro cita abertamente: "Estimulou uma distorção
enorme na arte. Ninguém precisa mais do seu público", diz
ele, já que as obras estréiam
com seus custos de produção já
cobertos pelo patrocínio.
Outra distorção, o financiamento público de produtos culturais para o consumo da elite,
ficou transparente em 2006,
quando o MinC autorizou a
companhia canadense Cirque
du Soleil a captar R$ 9,4 milhões para apresentar no Brasil
um espetáculo cujos ingressos
custavam entre R$ 50 (meia-entrada) e R$ 370.
"Acho que não é um erro da
lei; é um erro da administração.
Não deviam ter aprovado. Não
deviam ter dado crédito ao banco xis, que quebrou lá no passado", diz Sayad, argumentando
que "toda política governamental tem uma taxa de atendimento de seu objetivo inicial
e uma taxa de não-atendimento, por corrupção, etc".
De acordo com o projeto de
reforma da Lei Rouanet que
Ferreira quer mandar ao Congresso, ela será diluída num
conjunto de outros mecanismos cuja peça-chave é um fundo a ser gerido pelo MinC.
Pela proposta do ministério,
o financiamento à cultura seguirá público, em sintonia com
tendência mundial. A questão
é: a decisão sobre como, quanto
e onde aplicar esses recursos
cabe ao Estado ou não?
Em si já complexa, a equação
terá de ser resolvida com um
ingrediente a mais -os desdobramentos da crise financeira
mundial.
Em suma, o futuro próximo
do financiamento à cultura no
Brasil tende a sair do paradoxo
para o impasse.
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