São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2008

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Ilustrada 50 Anos

Ordem no caos

Nunca a oferta de entretenimento e cultura foi tão grande na história da humanidade; dar nexo a esse imenso fluxo será uma das tarefas do jornalismo cultural do futuro

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

O norte-americano médio consome por ano 973 horas de TV paga e 639 horas de TV aberta, passa 189 horas online, joga 85 horas de videogames, assiste à 61 horas de DVD, navega 15 horas em internet via celulares e passa 12 horas no cinema, segundo levantamento realizado em 2007 pela Veronis Suhler Stevenson, um fundo de investimentos especializado em mídia.
São 5,7 horas de consumo desse tipo por dia, pouco menos do que o gasto para dormir pelo mesmo norte-americano médio. Nunca a oferta de entretenimento e cultura foi tão grande na história da humanidade. Organizar e dar nexo a esse fluxo ininterrupto será uma das tarefas do jornalismo cultural impresso do futuro. Para fazer isso, enfrentará duas barreiras: espaço e tempo.
No "New York Times", um dos maiores e o mais influente jornal norte-americano, o caderno "The Arts" e seus primos ricos, "Weekend Arts", às sextas, e "Arts & Leisure", aos domingos, entregam uma média de 15 páginas diárias aos seus leitores, incluídos todos os anúncios.
Obviamente, a editoria não tem espaço para cobrir tudo.
Para ficar apenas no exemplo de livros, o jornal publica seis resenhas por semana, excluídas as que saem no caderno literário dominical. Pois só na área de ficção para adultos em 2008 nos EUA, segundo a empresa R.R. Bowker, que analisa esse mercado, foram lançados 100 livros -por dia.
Se não pode ser exaustivo, também não pode ser "em tempo real". O ruído que a profusão de blogs dos últimos dois anos vem causando no ciclo noticioso de 24 horas tem sido especialmente sentido no jornalismo cultural.
Não há uma aferição precisa de quantos são os diários virtuais dedicados ao assunto, mas uma estatística dá idéia da proliferação: em 2008, pela primeira vez na história, o número de blogueiros e jornalistas online presos por motivos políticos ultrapassou o dos da mídia tradicional, segundo o Comitê de Proteção aos Jornalistas, ONG baseada em Nova York.

Rápido: medíocre
Sobre o tempo, o futurista-residente do "New York Times" acha que muitas vezes no jornalismo cultural o mais rápido é o mais medíocre. "A crítica leva tempo para ser pensada e escrita, e uma resenha disparada do iPhone de alguém no lobby de uma peça de teatro pode não ser a melhor obra", diz à Folha Michael Rogers.
Ele mesmo apresenta um exemplo: "Resenha no Twitter - 1º Ato A Gaivota Tchekhov. Arrastado. Por que Konstantin está fora do palco e que coisa é essa com a lua?".
Para o especialista no impacto da tecnologia na sociedade, a mídia tradicional ainda está tentando descobrir o que fazer exatamente com o formato do blog. "É a verdadeira forma original de jornalismo a surgir da internet -uma forma que de fato não pode existir em nenhuma outra mídia. Estamos todos experimentando -mesmo o "New York Times" tem mais de 50 blogs hoje."
Uma das hipóteses levantadas por analistas de mídia é que o futuro papel do jornalismo cultural será também o de colocar ordem na cacofonia de informações, opiniões e achismo que é a blogosfera em geral nessa área -num blog, tudo é manchete. Nesse sentido, a mídia impressa será alimentada pela blogosfera, mas, ao hierarquizar assuntos por tamanhos, destaque nas páginas, uso de fotos, organizará o Carnaval.
Faço essa proposição a Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha, autor de peças e de livros como a coletânea de reportagens "Queda Livre -Ensaios de Risco" (Companhia das Letras). Ele concorda.
"A edição impressa de um jornal funcionará como uma revista (sintética e analítica) do que aconteceu de relevante não nos últimos sete dias, mas nas últimas 24 horas", afirma.
E sugere outro ângulo: "Talvez o impresso assuma também a vocação de síntese e análise dos fatos de interesse público, geral -já que o jornalismo online tenderá a uma personalização ("customização" ou atendimento "taylored') da leitura de cada consumidor".

Desastre
Visão mais radical e pessimista tem o crítico cultural norte-americano Lee Siegel, autor do libelo antitecnológico "Against the Machine - Being Human in the Age of the Electronic Mob" (Contra a Máquina - Sendo Humano na Era da Turba Eletrônica, Spiegel & Grau, 2008). Em entrevista recente à Folha, disse considerar a invenção da internet um "desastre sem proporções".
Para ele, não faz sentido uma inovação tecnológica que compromete a qualidade do jornalismo, em vez de a melhorar. É o que ele julga estar acontecendo nos Estados Unidos hoje. "Mas também sou culpado", me diz. "Enquanto falo com você, estou checando o e-mail."


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