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Ilustrada 50 Anos
Ordem no caos
Nunca a oferta de entretenimento e cultura foi tão grande na história da humanidade; dar nexo a esse imenso fluxo será uma das tarefas do jornalismo cultural do futuro
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
O norte-americano médio
consome por ano 973 horas de
TV paga e 639 horas de TV
aberta, passa 189 horas online,
joga 85 horas de videogames,
assiste à 61 horas de DVD, navega 15 horas em internet via
celulares e passa 12 horas no cinema, segundo levantamento
realizado em 2007 pela Veronis
Suhler Stevenson, um fundo de
investimentos especializado
em mídia.
São 5,7 horas de consumo
desse tipo por dia, pouco menos do que o gasto para dormir
pelo mesmo norte-americano
médio. Nunca a oferta de entretenimento e cultura foi tão
grande na história da humanidade. Organizar e dar nexo a esse fluxo ininterrupto será uma
das tarefas do jornalismo cultural impresso do futuro. Para
fazer isso, enfrentará duas barreiras: espaço e tempo.
No "New York Times", um
dos maiores e o mais influente
jornal norte-americano, o caderno "The Arts" e seus primos
ricos, "Weekend Arts", às sextas, e "Arts & Leisure", aos domingos, entregam uma média
de 15 páginas diárias aos seus
leitores, incluídos todos os
anúncios.
Obviamente, a editoria não
tem espaço para cobrir tudo.
Para ficar apenas no exemplo
de livros, o jornal publica seis
resenhas por semana, excluídas as que saem no caderno literário dominical. Pois só na
área de ficção para adultos em
2008 nos EUA, segundo a empresa R.R. Bowker, que analisa
esse mercado, foram lançados
100 livros -por dia.
Se não pode ser exaustivo,
também não pode ser "em tempo real". O ruído que a profusão
de blogs dos últimos dois anos
vem causando no ciclo noticioso de 24 horas tem sido especialmente sentido no jornalismo cultural.
Não há uma aferição precisa
de quantos são os diários virtuais dedicados ao assunto,
mas uma estatística dá idéia da
proliferação: em 2008, pela primeira vez na história, o número
de blogueiros e jornalistas online presos por motivos políticos
ultrapassou o dos da mídia tradicional, segundo o Comitê de
Proteção aos Jornalistas, ONG
baseada em Nova York.
Rápido: medíocre
Sobre o tempo, o futurista-residente do "New York Times" acha que muitas vezes no
jornalismo cultural o mais rápido é o mais medíocre. "A crítica leva tempo para ser pensada e escrita, e uma resenha disparada do iPhone de alguém no
lobby de uma peça de teatro pode não ser a melhor obra", diz à
Folha Michael Rogers.
Ele mesmo apresenta um
exemplo: "Resenha no Twitter
- 1º Ato A Gaivota Tchekhov.
Arrastado. Por que Konstantin
está fora do palco e que coisa é
essa com a lua?".
Para o especialista no impacto da tecnologia na sociedade, a
mídia tradicional ainda está
tentando descobrir o que fazer
exatamente com o formato do
blog. "É a verdadeira forma original de jornalismo a surgir da
internet -uma forma que de
fato não pode existir em nenhuma outra mídia. Estamos
todos experimentando -mesmo o "New York Times" tem
mais de 50 blogs hoje."
Uma das hipóteses levantadas por analistas de mídia é que
o futuro papel do jornalismo
cultural será também o de colocar ordem na cacofonia de informações, opiniões e achismo
que é a blogosfera em geral
nessa área -num blog, tudo é
manchete. Nesse sentido, a mídia impressa será alimentada
pela blogosfera, mas, ao hierarquizar assuntos por tamanhos,
destaque nas páginas, uso de
fotos, organizará o Carnaval.
Faço essa proposição a Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha, autor de peças
e de livros como a coletânea de
reportagens "Queda Livre -Ensaios de Risco" (Companhia
das Letras). Ele concorda.
"A edição impressa de um
jornal funcionará como uma
revista (sintética e analítica) do
que aconteceu de relevante
não nos últimos sete dias, mas
nas últimas 24 horas", afirma.
E sugere outro ângulo: "Talvez o impresso assuma também a vocação de síntese e análise dos fatos de interesse público, geral -já que o jornalismo online tenderá a uma personalização ("customização" ou
atendimento "taylored') da leitura de cada consumidor".
Desastre
Visão mais radical e pessimista tem o crítico cultural
norte-americano Lee Siegel,
autor do libelo antitecnológico
"Against the Machine - Being
Human in the Age of the Electronic Mob" (Contra a Máquina - Sendo Humano na Era da
Turba Eletrônica, Spiegel &
Grau, 2008). Em entrevista recente à Folha, disse considerar
a invenção da internet um "desastre sem proporções".
Para ele, não faz sentido uma
inovação tecnológica que compromete a qualidade do jornalismo, em vez de a melhorar. É
o que ele julga estar acontecendo nos Estados Unidos hoje.
"Mas também sou culpado",
me diz. "Enquanto falo com você, estou checando o e-mail."
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