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ARTIGO
Juquinha, paz e amor
PAULO PÉLICO
ESPECIAL PARA A FOLHA
NOS SEIS anos em que
esteve à frente da Secretaria Executiva do
Ministério da Cultura, Juca
Ferreira manteve com setores
da classe artística uma relação
tensa, atritada e até ameaçadora em alguns momentos, o que
lhe rendeu acusações de autoritarismo.
Feito ministro, com
mais poder, portanto, eis que
surge um outro Juca: acessível,
conciliador, cativante, deixando os seus "marcadores" procurando a bola, como fazia Garrincha. Sua performance lembra o Lula de 2002 que, candidato à Presidência da República, surpreendeu o mundo político com uma campanha eleitoral de inspiração gandhiana.
Mas, a que, exatamente, Ferreira é candidato? Bem, há numerosas teorias a respeito.
O
mais provável, do meu ponto de
vista, é que se trate mesmo daquilo que parece, um esforço do
ministro para unificar a produção cultural que, progressivamente, vem se apresentando
como um condomínio complexo, problemático, assentado sobre bases precárias e com razoável risco de pane ou colapso.
O Brasil tem uma população
equivalente à de Inglaterra,
França, Itália e Portugal somados, mas sempre dispôs de um
orçamento federal para a cultura de padrão municipal. O resultado é um déficit imenso e
histórico no setor, cuja redução
depende de variáveis complicadíssimas como verbas, política
e ideologia. Não é tarefa fácil,
portanto.
No centro das atenções, o espinhoso empreendimento de
reformar a Lei Rouanet de incentivo fiscal à cultura que, para além dos seus aspectos técnicos, adquiriu uma dimensão
simbólica no ambiente cultural. Ser contra ou a favor deste
mecanismo tornou-se quase
um indicador de caráter e a partir deste exagero instalou-se
um verdadeiro cabo-de-guerra.
Simplificação
É neste cenário que surgem
os "Diálogos Culturais", seminários que correm o país para
explicar a proposta do governo
para alteração dessa legislação
e nos quais o ministro Juca vem
se consagrando, ganhando corações e mentes. De fato, é admirável a sua incansável disposição para o diálogo e o domínio
que revela sobre problemas da
cultura brasileira.
Contudo, na
minha opinião, as teorias do
ministro apresentam pontos de
inconsistência que, às vezes, fazem o seu discurso resvalar na
simplificação. Em nome do
bom debate, vamos a eles.
Por exemplo, em um dos
pontos altos de sua apresentação, o ministro questiona o porquê de um produtor cultural,
depois de ver os seus projetos
aprovados no ministério, "ainda ter de se ajoelhar aos pés dos
diretores de marketing nas empresas" para conseguir dinheiro.
A pergunta lançada à platéia
com eloqüência tem um efeito
poderoso, mas:
1 - Como seria o cenário,
aceitas as alterações que o governo propõe? Todos os produtores culturais com projetos
aprovados no ministério receberiam o dinheiro de que necessitam? Sabemos que anualmente são habilitados mais de
9.000 projetos naquele órgão e
que para atender a todos precisaríamos de uma montanha de
recursos, que não existe.
O que
aconteceria com mais de 80%
dos produtores que ficariam de
fora do processo? É óbvio que
esta multidão de desatendidos
nada tem a ver com diretores
de marketing e tudo a ver com
a falta de verbas. Esta é a vilã
que mantém a área cultural de
joelhos não é de hoje.
2 - Um dos problemas da Lei
Rouanet, sabemos, é a alta concentração dos seus recursos
nas regiões Sul e Sudeste. Existem meios técnicos para reduzir este descompasso, mas que
nunca foram adotados pelo governo que preferiu apostar no
aumento do seu poder no que
diz respeito ao destino dos impostos das empresas interessadas. Pois bem, os gráficos apresentados agora pelo ministério
mostram que, em 2003, o Sul e
o Sudeste ficavam com 72% do
bolo e, em 2007, este percentual subiu para 80%.
Isto é, a
coisa piorou nos últimos cinco
anos. Por quê? Simples, em se
tratando de incentivos fiscais,
não se consegue desconcentrar
a sua distribuição centralizando as decisões.
Claro que centralizar está no
DNA do Estado. Claro, também, que essa é a sua tendência
natural. Porém, os excessos e a
sua aplicação fora de lugar podem se transformar em irracionalidade, como no conhecido
caso da burocracia e tantos outros.
O incentivo fiscal é outro
bom exemplo no qual a centralização das decisões é desastrosa porque neutraliza a sua essência, remove as suas virtudes
ao mesmo tempo em que dobra
os seus defeitos. É como querer
pilotar um avião com a sua aerodinâmica invertida. Não é difícil prever o resultado.
PAULO PÉLICO é produtor de cinema e teatro e
diretor de assuntos institucionais da Apetesp
(Associação de Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo)
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