São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2008

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ARTIGO

Juquinha, paz e amor

PAULO PÉLICO
ESPECIAL PARA A FOLHA

NOS SEIS anos em que esteve à frente da Secretaria Executiva do Ministério da Cultura, Juca Ferreira manteve com setores da classe artística uma relação tensa, atritada e até ameaçadora em alguns momentos, o que lhe rendeu acusações de autoritarismo.
Feito ministro, com mais poder, portanto, eis que surge um outro Juca: acessível, conciliador, cativante, deixando os seus "marcadores" procurando a bola, como fazia Garrincha. Sua performance lembra o Lula de 2002 que, candidato à Presidência da República, surpreendeu o mundo político com uma campanha eleitoral de inspiração gandhiana. Mas, a que, exatamente, Ferreira é candidato? Bem, há numerosas teorias a respeito.
O mais provável, do meu ponto de vista, é que se trate mesmo daquilo que parece, um esforço do ministro para unificar a produção cultural que, progressivamente, vem se apresentando como um condomínio complexo, problemático, assentado sobre bases precárias e com razoável risco de pane ou colapso.
O Brasil tem uma população equivalente à de Inglaterra, França, Itália e Portugal somados, mas sempre dispôs de um orçamento federal para a cultura de padrão municipal. O resultado é um déficit imenso e histórico no setor, cuja redução depende de variáveis complicadíssimas como verbas, política e ideologia. Não é tarefa fácil, portanto.
No centro das atenções, o espinhoso empreendimento de reformar a Lei Rouanet de incentivo fiscal à cultura que, para além dos seus aspectos técnicos, adquiriu uma dimensão simbólica no ambiente cultural. Ser contra ou a favor deste mecanismo tornou-se quase um indicador de caráter e a partir deste exagero instalou-se um verdadeiro cabo-de-guerra.

Simplificação
É neste cenário que surgem os "Diálogos Culturais", seminários que correm o país para explicar a proposta do governo para alteração dessa legislação e nos quais o ministro Juca vem se consagrando, ganhando corações e mentes. De fato, é admirável a sua incansável disposição para o diálogo e o domínio que revela sobre problemas da cultura brasileira.
Contudo, na minha opinião, as teorias do ministro apresentam pontos de inconsistência que, às vezes, fazem o seu discurso resvalar na simplificação. Em nome do bom debate, vamos a eles. Por exemplo, em um dos pontos altos de sua apresentação, o ministro questiona o porquê de um produtor cultural, depois de ver os seus projetos aprovados no ministério, "ainda ter de se ajoelhar aos pés dos diretores de marketing nas empresas" para conseguir dinheiro.
A pergunta lançada à platéia com eloqüência tem um efeito poderoso, mas: 1 - Como seria o cenário, aceitas as alterações que o governo propõe? Todos os produtores culturais com projetos aprovados no ministério receberiam o dinheiro de que necessitam? Sabemos que anualmente são habilitados mais de 9.000 projetos naquele órgão e que para atender a todos precisaríamos de uma montanha de recursos, que não existe.
O que aconteceria com mais de 80% dos produtores que ficariam de fora do processo? É óbvio que esta multidão de desatendidos nada tem a ver com diretores de marketing e tudo a ver com a falta de verbas. Esta é a vilã que mantém a área cultural de joelhos não é de hoje.
2 - Um dos problemas da Lei Rouanet, sabemos, é a alta concentração dos seus recursos nas regiões Sul e Sudeste. Existem meios técnicos para reduzir este descompasso, mas que nunca foram adotados pelo governo que preferiu apostar no aumento do seu poder no que diz respeito ao destino dos impostos das empresas interessadas. Pois bem, os gráficos apresentados agora pelo ministério mostram que, em 2003, o Sul e o Sudeste ficavam com 72% do bolo e, em 2007, este percentual subiu para 80%.
Isto é, a coisa piorou nos últimos cinco anos. Por quê? Simples, em se tratando de incentivos fiscais, não se consegue desconcentrar a sua distribuição centralizando as decisões. Claro que centralizar está no DNA do Estado. Claro, também, que essa é a sua tendência natural. Porém, os excessos e a sua aplicação fora de lugar podem se transformar em irracionalidade, como no conhecido caso da burocracia e tantos outros.
O incentivo fiscal é outro bom exemplo no qual a centralização das decisões é desastrosa porque neutraliza a sua essência, remove as suas virtudes ao mesmo tempo em que dobra os seus defeitos. É como querer pilotar um avião com a sua aerodinâmica invertida. Não é difícil prever o resultado.

PAULO PÉLICO é produtor de cinema e teatro e diretor de assuntos institucionais da Apetesp (Associação de Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo)


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