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FERREIRA GULLAR
Repto ao ministro da Cultura
O leitor deve ter acompanhado pela imprensa a polêmica que ocupou os jornais, desencadeada involuntariamente
por declaração minha durante
uma sabatina promovida por este
jornal. O assunto MinC não foi
trazido à discussão por mim, mas
por alguém da platéia. Comecei
minha resposta esclarecendo que
não acompanho de perto o trabalho daquele ministério, mas ouço
reclamações e críticas a certa tendência centralizadora na sua
condução.
Foi o bastante para que, no dia
seguinte, um pau-mandado do
ministro enviasse ao jornal uma
carta acusando-me de stalinista.
Como tenho preguiça de brigar,
respondi, numa linha, que a tal
carta parecia escrita pelo antigo
SNI. Sim, porque é uma coisa velha, careta, acusar alguém de stalinista a esta altura; quem age assim é a direita, o anticomunismo
hipócrita. A intelectualidade reagiu indignada, e o ministro, em
lugar de se desculpar, subiu ao
palco e nos ofereceu a própria cabeça. Não é o caso: o que queremos é que ele dê expediente integral no ministério, faça jus ao cachê que lhe pagamos.
Afora o MinC, todo mundo sabe
que, quando o Partido Comunista do Brasil se cindiu, os stalinistas ficaram no PC do B e os não-stalinistas, no PCB. Pois foi para o
PCB que eu entrei muitos anos
depois e por razões especiais, já
que não queria entrar para partido nenhum, comunista ou não. A
partir de 1962, fui atuar no CPC
da UNE, de que me tornei presidente. Brigávamos pela reforma
agrária, pela reforma universitária, pela reforma urbana. Era isso
stalinismo? Na noite do golpe militar, em 1º de abril de 1964, entrei
para o PCB. Queria lutar contra a
ditadura que nascia e não poderia fazê-lo isolado. O PCB nada
tinha de stalinista, nele tudo se
discutia abertamente.
Não dou estas explicações ao
MinC, mas a você, leitor, que merece minha consideração e meu
respeito. Embora não goste de falar bem de mim mesmo, devo dizer que sou das pessoas menos autoritárias que conheço, jamais
gostei de mandar; gosto, sim, de
discutir, porque estou sempre
questionando minhas idéias e as
dos outros e, por isso mesmo,
nunca me considero dono da verdade, fonte de intolerância e autoritarismo. Ou os donos do MinC
não sabem quem sou ou quiseram me desqualificar porque não
toleram críticas. Eles, sim, como
disse Caetano Veloso, estão a um
passo do totalitarismo.
E, por falar em MinC, vou lhes
contar uma história. Quando, no
final de 1992, fui nomeado presidente do Instituto Brasileiro de
Arte e Cultura (Ibac), cujo nome
mudei para Funarte, a primeira
coisa que fiz foi reunir todos os diretores em meu gabinete e perguntar-lhes quais eram os projetos que tinham para a instituição.
Disse-lhes que eles eram a instituição enquanto eu estava ali de
passagem. A partir daquele dia,
tudo na Funarte era decidido nessas reuniões, inclusive a distribuição da verba orçamentária. Não
podia haver caixa dois. Todos sabiam de tudo. Será isso o que o
MinC chama de stalinismo?
Dias depois de assumir o cargo,
perguntaram-me, num programa
de televisão, como encontrara a
instituição. Respondi: "Encontrei
tudo funcionando bem". No mesmo dia, o meu antecessor telefonou-me agradecido. Aquela atitude minha era inusitada, pois o
que se costuma fazer é afirmar
que se recebeu uma "herança
maldita" para depois culpar o antecessor pelas merdas que venha a
praticar.
E assim, entre acertos e erros,
cumprimos nossas tarefas, reabrimos o Salão Nacional de Arte,
criamos o Prêmio Nacional de
Arte, o Prêmio Nacional de Música, retomamos o projeto Pixinguinha, terminamos as obras do
Museu do Folclore, criamos a revista "Piracema" e o Espaço Oscar Niemeyer. A certa altura, meu
amigo José Aparecido de Oliveira,
que me havia indicado para o
cargo, telefonou-me para dizer-me que o presidente Itamar Franco decidira me nomear ministro
da Cultura. Respondi que me sentia honrado com a escolha, mas
não queria ser ministro. O assunto chegou aos ouvidos de um jornalista, que me perguntou por
que não aceitara o ministério.
"Porque não sirvo para ministro,
respondi. Se aos 64 anos de idade,
não soubesse para que sirvo, seria
um idiota". Mas a vaidade às vezes cega as pessoas.
Continuei à frente da Funarte
até que, eleito um novo presidente da República e nomeado um
novo ministro, fui substituído. Ao
saberem disso, os diretores e muitos funcionários foram para meu
gabinete, mostrando-se consternados. Alguns dos diretores afirmaram que iam se demitir imediatamente. Pedi-lhes que não o
fizessem, pois o mais importante
era dar continuidade aos projetos
da instituição. Se o novo presidente decidisse mantê-los, deveriam continuar. "Todos nós estamos aqui para servir à sociedade
e não simplesmente a este ou
àquele governo", disse eu.
Sempre tive horror ao stalinismo. Na tal sabatina, afirmei que
a luta pelo socialismo mudara o
capitalismo, obrigando-o a fazer
concessões aos trabalhadores. Só
a direita burra e os safados dizem
que marxismo e stalinismo são a
mesma coisa. Fui caluniado. Por
isso, desafio o ministro Gil e seu
javali de gabinete a citarem uma
só frase minha, escrita em qualquer época, em defesa do stalinismo. Se não o fizerem, estarão admitindo tacitamente que são caluniadores e irresponsáveis. Ficarei à espera.
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