São Paulo, terça-feira, 15 de fevereiro de 2000


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OSCAR 2000
"Orfeu" e Diegues merecem homenagem hoje

GERALD THOMAS
especial para a Folha

Desta vez vai ser diferente. Em vez de me contentar em ler a longa lista das indicações nos jornais do dia seguinte, dessa vez vou estar grudado na televisão hoje pela manhã, sintonizado na Academia de Cinema de Los Angeles, fazendo qualquer tipo de promessa e rezando todo o tipo de reza para que Cacá Diegues esteja incluído.
É evidente que não dou importância qualitativa ao Oscar. É evidente que o jogo político e a quantidade de pequenos subornos e protocolos sociais cumpridos acabam determinando o consenso que dá no prêmio.
E, como ainda respeito, acima de qualquer outra coisa, o conceito de que o artista tem de ser um revolucionário, sei que deveria nutrir um certo desprezo por todas essas "avaliações especializadas". Aliás, como diz o próprio Cacá, "o prêmio é um acidente na vida do artista, atrapalha seu processo criativo e compromete sua arte com os valores mais medíocres". Mas o fato é que hoje pela manhã estarei nervoso e emocionado, sim.
Para mim, o fato de "Orfeu" ser ou não indicado não é o que está em jogo. O que me emociona é a esperança de que o artista e pensador Cacá Diegues possa estar sendo homenageado, revertendo o quadro atual pouco audacioso, pouco inteligente, modista e raso por que passa a indústria cinematográfica mundial.
Eu gostaria que esse artigo e entrevista fossem lidos como uma homenagem a esse amigo brilhante, que tem me iluminado com sua obra e com sua generosidade desde que comecei a conceber a idéia de ser um artista de teatro. A importância de sua obra está em sua paixão explícita pela brasilidade antropofágica, alucinante, lúcida e assumidamente contraditória.
Cacá é um autor de hinos. Seus filmes expressam todo o civismo, a beleza e a tristeza da história desse país. Sua utopia é a mais bela de todas as utopias. Seus sonhos, assim como seus filmes, são os mais belos hinos compostos por um artista.
Nos vemos sempre que o tempo permite. Dessa vez, nos encontramos em seu escritório no Leblon, no dia quente e confuso em que retornava de uma longa estadia em Los Angeles. Uma única coisa estranha aconteceu durante o encontro: assim que mencionei o nome de Glauber Rocha, o rádio começava a tocar a quinta bachiana de Villa-Lobos, tema de "Deus e o Diabo na Terra do Sol".
Ficamos com os olhos inundados e, naquele momento, percebi que "Orfeu" representa muito mais que um belíssimo filme -e que premiá-lo significaria abraçar e beijar o próprio Glauber e todo esse magnifico legado que lida com a identidade artística mais autêntica que esse país já produziu.


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