São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2004

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Cinco anos depois, idealizadores e produtores de "A Bruxa de Blair" amargam volta ao anonimato, dívidas e dificuldades para realizar o 2º filme de suas carreiras

A maldição da bruxa

Divulgação
Joshua Leonard, um dos atores de "A Bruxa de Blair"


JESSE McKINLEY
DO ""THE NEW YORK TIMES"

A história soa como um filme de terror de Hollywood. Foi assim: em janeiro de 1999, dois cineastas desconhecidos se aventuraram na selva bem vestida de Park City, Utah, onde estava acontecendo o Festival de Cinema de Sundance, atrás de um acordo de distribuição por um estúdio. De fato, depois de uma sessão à meia-noite de seu filme granulado, feito com US$ 30 mil, os dois, Daniel Myrick e Eduardo Sanchez, encontraram o tal acordo -um contrato de US$1,1 milhão que acabou valendo ao filminho deles críticas maravilhadas, distribuição internacional e algo como US$ 250 milhões em bilheterias.
O filme em questão era ""A Bruxa de Blair", e ele acabou virando o maior sucesso do cinema independente: barato, moderno e tremendamente lucrativo. A bruxa deixou Myrick e Sanchez ricos e relativamente famosos.
Até o momento em que eles simplesmente sumiram do mapa.
Pode ser o efeito da maldição da bruxa de Blair, ou, quem sabe, um simples caso de decepção de expectativas no segundo trabalho, mas o fato é que Myrick e Sanchez ainda não fizeram outro filme.
Mas a maldição não se limita à parte criativa do grupo responsável por ""A Bruxa de Blair". No mês passado, a Artisan Entertainment, a firma que comprou e distribuiu o filme, foi comprada por uma rival maior e mais bem-sucedida, a Lions Gate Entertainment, por US$ 160 milhões mais cerca de US$ 45 milhões que a Artisan tinha de dívida acumulada. Nem o trio de atores Heather Donahue, Joshua Leonard e Michael C. Williams conseguiu transformar sua celebridade imediata em carreiras mais significativas.
É uma situação que choca especialmente quando se leva em conta o hype enorme que cercou a estréia de ""A Bruxa de Blair", um frisson que foi criado em grande medida com a ajuda de uma promoção pela internet que fazia as pessoas imaginarem que o filme fosse uma fita de vídeo encontrada por acaso, feita por três estudantes devorados por uma bruxa numa floresta em Maryland.
O esquema promocional criado pela Artisan, que comprou o filme em Sundance, e pela produtora, a Haxan Films, gerou um clima de expectativa intensa em torno dele, especialmente entre o público jovem e amante de filmes de terror. Quando ""A Bruxa de Blair" finalmente foi lançada nos EUA, em julho de 1999, já tinha impressionado o Festival de Cannes, onde ganhou o prêmio para trabalhos de cineastas jovens, e seu site já recebia mais de 1 milhão de visitas por dia.
""A Bruxa de Blair" teve lotação esgotada em cinemas de todo o país, e seus atores e criadores chegaram às capas da ""Time" e da ""Newsweek". Embora nem todas as resenhas fossem positivas, a maioria dos críticos ficou impressionada com a capacidade dos criadores do filme de utilizar uma estética de baixo orçamento, com câmera em movimento irregular, cenas em preto e branco em 16 milímetros e figuras assustadoras.

Guinada frustrada
Embora a Haxan e seus investidores tivessem ganhado de estimados US$ 35 milhões a US$ 40 milhões com ""A Bruxa de Blair", nem Myrick nem Sanchez disseram estar interessados em fazer uma seqüência imediatamente.
""Queríamos nos afastar de "A Bruxa de Blair" e do gênero terror, dar uma guinada de 180 graus", afirma Sanchez. A guinada em questão seria uma comédia ""Heart of Love". A Artisan não gostou da relutância da Haxan em produzir uma seqüência. Em janeiro de 2000, Amir Malin, seu antigo executivo-chefe, dissera que ""A Bruxa de Blair" teria não apenas uma seqüência, mas duas.
Um ano mais tarde a Artisan lançou ""A Bruxa de Blair 2: O Livro das Sombras", com um novo diretor (Joe Berlinger), novo elenco e, o que mais chamou a atenção, um orçamento digno de qualquer trabalho de estúdio (US$ 15 milhões, sem contar as despesas de marketing e promoção). Mas o raio não quis cair duas vezes no mesmo lugar: o novo filme arrecadou apenas US$ 26 milhões. Myrick e Sanchez levaram o crédito de produtores executivos, mas contribuíram pouco.
A seqüência pouco lucrativa foi apenas a primeira de várias decepções da Artisan. Fundada em 97 por Malin e Bill Block, era uma empresa pequena e respeitada, conhecida por investir em filmes de baixo orçamento. Depois de ""A Bruxa de Blair", porém, a empresa passou a ser onerada por uma equipe grande demais de profissionais e por decisões artísticas equivocadas, afirma Malin.
No final de 2000 a dívida já chegava a US$ 260 milhões, contou Malin, cifra essa que ele conseguiu baixar para US$ 45 milhões quando a empresa foi vendida, à custa de demissões, cortes de despesas e da eliminação do grupo de produção da empresa.
Também a Haxan tinha seus problemas próprios, além da dificuldade para financiar ""Heart of Love". Como haviam recebido ofertas para tudo, desde ""Exorcista 4" até ""Halloween 7", foi montado um escritório grande em Orlando e contratado pessoal. ""Foi um caso clássico de dar um passo maior do que as pernas", disse Hale. Neste ano o escritório foi fechado e o telefone, desligado. A Artisan se desligou de ""Heart of Love" em 2001, e o filme foi oficialmente cancelado em 2002.

Segunda chance?
Na semana passada Sanchez e Hale se reuniram com executivos da Lions Gate, compradora da Artisan, para propor idéias a fim de rejuvenescer a franquia, entre elas um filme contando a história anterior, a ser ambientado nos anos 1940, outro ainda anterior, no século 18, e uma seqüência.
Sanchez também está tentando vender vários roteiros novos. Myrick, além de trabalhar com Sanchez, está filmando o piloto do programa de TV ""The Strand".
""Tendo conhecido um pouco o sistema dos grandes estúdios, prefiro não fazer negócios com eles", disse Myrick. ""Eu preferiria levantar alguns milhões de dólares e fazer o trabalho eu mesmo." Sanchez concordou. ""Voltamos a estar por baixo. Agora é hora de arregaçar minhas mangas e fazer tudo outra vez."

Tradução de Clara Allain

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