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LIVRO/LANÇAMENTO
"O TACÃO DE FERRO"
Obra, publicada em 1907, tem posfácio de Leon Trótski
Jack London joga luz na história em ficção sociológica
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
O norte-americano Jack
London (1876-1916) foi um
autor bem-sucedido. Emplacou
um punhado de best-sellers, como "Caninos Brancos" e "Martin
Eden", além de ganhar mais de
um milhão de dólares em sua carreira. "O Tacão de Ferro", publicado em 1907, teve vários admiradores. Dois dos mais famosos foram o escritor Anatole France e o
político Leon Trótski, que declarou: "O livro causou-me - falo
sem nenhum exagero - uma
profunda impressão".
O julgamento de Trótski, que
não era nem literato nem crítico, é
certeiro. Segundo o russo, o escritor abriu mão de recursos estilísticos para fazer "análise e prognóstico sociais". London estaria "menos interessado no destino individual de seus heróis do que no destino da humanidade".
"O Tacão de Ferro" é no fundo
um romance de tese. Em vez de
ficção científica, pode-se dizer
que se trata de uma "ficção sociológica". O ponto de partida é a
descoberta, num futuro distante e
utopicamente harmonioso, de
uns manuscritos redigidos por
Avis Everhard em 1932.
Esses documentos descrevem a
aurora de um movimento que, séculos depois, acabaria proporcionando tal estado de equilíbrio social. Iniciam-se em 1912, quando a
aristocrata Avis se casa com o revolucionário Ernest Everhard. Os
Estados Unidos estão nas mãos de
meia dúzia de oligarcas.
Os operários ganham salários
de fome. Uma multidão de miseráveis se forma. Em resposta à
tentativa dos reformadores de
atingir o poder por meio das eleições, a oligarquia cria um sistema
de repressão chamado Tacão de
Ferro.
Avis narra a luta dos socialistas
contra o Tacão de Ferro. A Primeira Revolta é esmagada. A Segunda também seria, mas Avis
não sabe disso. Para ela, a revolução sairia vitoriosa e seu relato
serviria para celebrizar a memória do marido, morto dois meses
antes. A narrativa é interrompida
bruscamente. Avis, supõe-se, é assassinada após ter escondido os
manuscritos.
Tudo isso é revelado num
preâmbulo pelo editor, que ainda
supre as lacunas do original com
notas sobre o subsequente rumo
dos acontecimentos. O expediente faz London mergulhar num
exercício de futurologia. Prevê o
avanço da cirurgia plástica e o
caos nos meios de transporte urbanos. Além disso, a data escolhida para a Primeira Revolta, a primavera de 1918, é curiosamente
próxima da Revolução Russa,
ocorrida em 1917.
Da perspectiva literária, porém,
a coisa não funciona tão bem. Os
personagens são ocos, maiores ou
menores que a vida. Desnudando
de saída a intriga, London descuida da narrativa. Abusa da hipérbole e das antíteses.
O que lhe importa são as idéias
de Ernest sobre o conflito entre
capital e trabalho ou sobre a teoria
da mais-valia. Embora seja interessante na exposição da tese
marxista e por revelar a posição
romanticamente pessimista do
autor, a obra parece arrastar-se.
O clímax do romance está na
descrição da Comuna de Chicago,
que sintetiza o massacre infligido
à Primeira Revolta. Nessas cenas
terríveis, London logra unir, de
forma assustadoramente expressionista, tese e drama.
A luta de classes explode sangrenta nas ruas de Chicago. A ela
conflui uma massa fantasmagórica de miseráveis, que o autor denomina "povo do abismo". É um
toque de gênio artístico, que demora demasiado a ocorrer.
O Tacão de Ferro
Autor: Jack London (prefácio de Anatole
France e posfácio de Leon Trótski)
Tradutor: Afonso Teixeira Filho
Editora: Boitempo Editorial
Quanto: R$ 32 (270 págs.)
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