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CANTO LÍRICO
Gravadora lança pacote de obras de Bidu Sayão
IRINEU FRANCO PERPÉTUO
especial para a Folha, em Berlim
A cantora lírica Bidu Sayão, que
morreu na última sexta vítima de
problemas decorrentes de uma
pneumonia, deixa a cena no momento em que o mercado fonográfico erudito está passando por um
verdadeiro revival de sua obra. Logo após a Sony lançar as gravações
feitas em estúdio da mais célebre
cantora lírica brasileira de todos os
tempos, agora é a vez da Naxos
apostar em seus registros ao vivo.
O pacote da gravadora é composto de quatro óperas: "Manon",
de Massenet, "Pelléas et Mélisande", de Debussy, "Don Pasquale",
de Donizetti, e "Don Giovanni", de
Mozart. Trata-se de gravações ao
vivo, feitas no Metropolitan de Nova York, durante as décadas de 30 e
40, quando a cantora carioca reinava absoluta na casa.
Balduína de Oliveira Sayão, que
morava nos EUA havia mais de 50
anos, completaria 95 anos no dia 11
de maio. Embora tenha encarado
um papel do peso de "La Traviata",
de Verdi -sem cantar, contudo, o
mi bemol agudo da cena final do
primeiro ato-, Sayão pode ser vocalmente classificada como soprano "soubrette" -ideal para papéis
vocal e cenicamente ligeiros, como
Susanna e Adina.
No pacote da Naxos, isso é bem
evidenciado pela caracterização
que a soprano faz de Norina, a protagonista de "Don Pasquale". Oscar Guanabarino, o maior crítico
brasileiro da época de Sayão, fazia
sérias restrições ao pequeno volume da cantora -e, possivelmente,
tinha razão.
Só que, para uma "soubrette",
não é apenas a voz volumosa que
importa. Podem ser mais relevantes elementos como o carisma, a
expressividade e o poder de caracterização -e isso Sayão tinha de
sobra. As gargalhadas do público
deixam poucas dúvidas sobre suas
qualidades cênicas.
Gargalhadas não são o único inconveniente dos discos da Naxos.
Tudo que pode acontecer em uma
performance ao vivo está lá: tosses,
ruído de passos, desencontros de
cantores com a orquestra, quedas
de afinação.
Talvez o item mais prejudicado
por essas intromissões seja "Pelléas et Mélisande". A qualidade
sonora do disco é surpreendentemente boa e a interpretação de Sayão, extremamente sofisticada.
Entretanto, a música de Debussy é
de uma delicadeza tão sublime que
quaisquer interferências soam violentas.
Por isso, o item mais interessante
talvez seja aquele em que, paradoxalmente, a soprano carioca canta
menos -"Don Giovanni", no qual
ela faz uma Zerlina convincente.
Gravada em 1942, a ópera traz o
cativante Ezio Pinza no papel-título, mas sua principal atração é a regência do grande Bruno Walter. Se
algumas de suas articulações soam
hoje tão ultrapassadas quanto a
entonação "cômica" de Alexander
Kipnis (Leporello), os tempos do
regente dão à obra de Mozart uma
agilidade e uma vivacidade que seria desejável encontrar nas gravações mais recentes da peça.
Entretanto, se seus motivos para
adquirir os discos forem eminentemente nacionalistas, não hesite
em optar pela estréia da soprano
no Metropolitan, em 13 de fevereiro de 37, récita da ópera "Manon",
de Massenet, regida por Maurice
Abravanel -com direito a narração "de época" de Milton J. Cross,
locutor que comandou a transmissão radiofônica do espetáculo.
O destaque não é a ópera em si,
mas o item que completa o álbum
triplo -gravações feitas no Brasil,
em 1935, incluindo trechos do "Il
Guarany", de Carlos Gomes, e quatro canções em português: "Canto
da Saudade", "Cisnes", "Canção
da Felicidade" e "Cantiga".
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