São Paulo, Segunda-feira, 15 de Março de 1999
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CANTO LÍRICO
Gravadora lança pacote de obras de Bidu Sayão

IRINEU FRANCO PERPÉTUO
especial para a Folha, em Berlim

A cantora lírica Bidu Sayão, que morreu na última sexta vítima de problemas decorrentes de uma pneumonia, deixa a cena no momento em que o mercado fonográfico erudito está passando por um verdadeiro revival de sua obra. Logo após a Sony lançar as gravações feitas em estúdio da mais célebre cantora lírica brasileira de todos os tempos, agora é a vez da Naxos apostar em seus registros ao vivo.
O pacote da gravadora é composto de quatro óperas: "Manon", de Massenet, "Pelléas et Mélisande", de Debussy, "Don Pasquale", de Donizetti, e "Don Giovanni", de Mozart. Trata-se de gravações ao vivo, feitas no Metropolitan de Nova York, durante as décadas de 30 e 40, quando a cantora carioca reinava absoluta na casa.
Balduína de Oliveira Sayão, que morava nos EUA havia mais de 50 anos, completaria 95 anos no dia 11 de maio. Embora tenha encarado um papel do peso de "La Traviata", de Verdi -sem cantar, contudo, o mi bemol agudo da cena final do primeiro ato-, Sayão pode ser vocalmente classificada como soprano "soubrette" -ideal para papéis vocal e cenicamente ligeiros, como Susanna e Adina.
No pacote da Naxos, isso é bem evidenciado pela caracterização que a soprano faz de Norina, a protagonista de "Don Pasquale". Oscar Guanabarino, o maior crítico brasileiro da época de Sayão, fazia sérias restrições ao pequeno volume da cantora -e, possivelmente, tinha razão.
Só que, para uma "soubrette", não é apenas a voz volumosa que importa. Podem ser mais relevantes elementos como o carisma, a expressividade e o poder de caracterização -e isso Sayão tinha de sobra. As gargalhadas do público deixam poucas dúvidas sobre suas qualidades cênicas.
Gargalhadas não são o único inconveniente dos discos da Naxos. Tudo que pode acontecer em uma performance ao vivo está lá: tosses, ruído de passos, desencontros de cantores com a orquestra, quedas de afinação.
Talvez o item mais prejudicado por essas intromissões seja "Pelléas et Mélisande". A qualidade sonora do disco é surpreendentemente boa e a interpretação de Sayão, extremamente sofisticada. Entretanto, a música de Debussy é de uma delicadeza tão sublime que quaisquer interferências soam violentas.
Por isso, o item mais interessante talvez seja aquele em que, paradoxalmente, a soprano carioca canta menos -"Don Giovanni", no qual ela faz uma Zerlina convincente.
Gravada em 1942, a ópera traz o cativante Ezio Pinza no papel-título, mas sua principal atração é a regência do grande Bruno Walter. Se algumas de suas articulações soam hoje tão ultrapassadas quanto a entonação "cômica" de Alexander Kipnis (Leporello), os tempos do regente dão à obra de Mozart uma agilidade e uma vivacidade que seria desejável encontrar nas gravações mais recentes da peça.
Entretanto, se seus motivos para adquirir os discos forem eminentemente nacionalistas, não hesite em optar pela estréia da soprano no Metropolitan, em 13 de fevereiro de 37, récita da ópera "Manon", de Massenet, regida por Maurice Abravanel -com direito a narração "de época" de Milton J. Cross, locutor que comandou a transmissão radiofônica do espetáculo.
O destaque não é a ópera em si, mas o item que completa o álbum triplo -gravações feitas no Brasil, em 1935, incluindo trechos do "Il Guarany", de Carlos Gomes, e quatro canções em português: "Canto da Saudade", "Cisnes", "Canção da Felicidade" e "Cantiga".


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