São Paulo, sexta-feira, 15 de abril de 2005

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CINEMA

Após oito anos, o diretor volta a temas políticos com seu terceiro longa, "Cabra-Cega", baseado em depoimentos reais

Toni Venturi retira a venda da ditadura

ISABELLE MOREIRA LIMA
DA REPORTAGEM LOCAL

O regime militar foi, para os brasileiros, como um jogo de cabra-cega: quem fez a resistência tentava tatear na escuridão para chegar ao fim do jogo. Baseado na metáfora, Toni Venturi dirigiu seu terceiro longa, "Cabra-Cega", que estréia hoje em São Paulo, Rio, Mato Grosso e Brasília.
Tiago (Leonardo Medeiros), o protagonista, é o personagem a "usar as vendas". Militante, ferido a bala em uma emboscada da polícia, se esconde em um apartamento de um bairro de classe média-alta de São Paulo, até que se recupere e possa voltar a lutar pelo fim da ditadura.
O ano é 1971. A fase de recuperação dura longos meses. O cenário é quase sempre o mesmo, o apartamento. Durante esse tempo, naquele lugar, Tiago tem contato apenas com Rosa (Débora Duboc), uma militante de base, com Mateus (Jonas Bloch), um líder de guerrilha, e com Pedro (Michel Bercovitch), arquiteto a quem o apartamento-esconderijo pertence. Com o passar de rápidos minutos, o espectador vê a paranóia crescer na cabeça de Tiago, enquanto as relações entre os personagens se deterioram.
E, apesar de não ser um documentário, Venturi seguiu a linha "é tudo verdade". Usou depoimentos de 11 militantes/guerrilheiros reais para construir o roteiro de "Cabra-Cega". "Entrevistamos 11 ilustres desconhecidos, com exceção de José Dirceu, que na época [2002] era presidente do PT. Hoje, eles são professores, jornalistas, publicitários. Eu fiz uma pesquisa sobre o cotidiano da clandestinidade, queria entender esses jovens idealistas dos anos 60 e 70", conta o diretor. A pesquisa, filmada, transformou-se no documentário "No Olho do Furacão", de Venturi e Renato Tapajós, já exibido na televisão pela Rede SescSenac.
Os personagens, apesar de livremente inspirados em muitas pessoas reais, tem maior "identificação" com alguns militantes específicos. "Cada um, de alguma forma, representa um microcosmos. O dirigente principal, o Mateus, é livremente inspirado no Joaquim Câmara Ferreira, que foi o líder do PC do B."
Da mesma maneira, Carlos Eugênio Paz inspirou Tiago. "Ele foi o único comandante da luta armada brasileira que não caiu, não foi preso ou torturado."
Já Rosa e Pedro tiveram inspiração mais livre. Enquanto a militante foi baseada em Maria Prestes, mesmo "sem ter nada a ver com a história de Prestes", Pedro foi criado com base no "grupo de arquitetos paulistas que representavam uma grande parcela da população que era simpatizante, mas que não tinha vocação militar ou não acreditava que aquela era a melhor saída".
"Cabra-Cega" marca a volta de Venturi a temas políticos, depois de "O Velho - A História de Luís Carlos Prestes" (1997). Sinaliza também a tendência de filmes atuais que resgatam a história brasileira do período do regime militar. Segundo o diretor, no entanto, o lançamento, quase paralelo ao longa "Quase Dois Irmãos", de Lúcia Murat, foi uma coincidência. "O que existe hoje não é por acaso. O Brasil se voltar a esse período é fundamental para a gente entender um pouco mais do país, para entendermos a questão dos incluídos e dos excluídos", afirma Venturi.


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