São Paulo, sexta-feira, 15 de abril de 2005

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CDS

JAZZ

Cantora fala à Folha sobre seu segundo CD, gravado oito anos após a estréia

Madeleine Peyroux sai em busca de tempo perdido... e encontra

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ela é uma Madeleine em busca do tempo perdido. Tempo longo demais para seus fãs. Madeleine Peyroux conquistou um bocado deles quando apareceu em 1996, como que vinda de disco voador de um planeta chamado Billie Holiday ou coisa que o valha.
Americana de origem francesa, a moça, que até então cantava mais em escadarias de metrôs de Paris ou Nova York, se apresentava em alguma biboca quando foi "descoberta" por um caça-talentos de uma gravadora.
Seu primeiro CD saiu pouco depois. "Dreamland" foi o chamado "strike" (lembre-se da bola de boliche derrubando todos os pinos): ganhou a indefectível entidade "público & crítica". Aí sumiu. Sumiu mesmo. Só voltou a gravar no segundo semestre de 2004.
"Careless Love", já lançado no Brasil, confirma tudo o que prometia a cantora. Mas não cala por completo o silêncio da estrela. Que terá passado a esta Madeleine durante tantos anos?
"Hi, demoiselle Madeleine Peyroux?" "Hi, that's me", diz a voz curiosamente rouca que a Folha tratou de ouvir, por telefone.
A cantora responde ao primeiro "Como uma boa Madeleine você está "em busca do tempo perdido'?" com precisão. Responde à brincadeira com o seu nome, o mesmo do bolinho popular na França que faz o personagem do romance "Em Busca do Tempo Perdido", de Marcel Proust, começar a sua longa epopéia sentimental, com um: "De acordo com Proust, você está sempre em busca do tempo perdido. Mas estes oito anos que levei entre um disco e outro não foram perda nenhuma. Foi um tempo de somar novas perspectivas para a minha vida e para a minha forma de cantar". Madeleine não é arrependida.
Demoiselle Peyroux confidencia algumas coisas desse intervalo. Teve problemas com sua voz -que inclusive a afastaram de uma participação no então Free Jazz de 1997 (ela conta que o coração dela há dez anos espera outra chance de vir ao Brasil; alô Tim Festival, alô Chivas Festival, alô Bourbon Street).
Conta a moça de 32 anos, que vendeu 200 mil cópias de seu primeiro CD, marca nada, nada desprezível para um trabalho jazzístico, que voltou também, no intervalo entre os dois CDs, a cantar nas ruas. Por prazer artístico, não para arrebanhar moedas.
O discurso de Peyroux (e sua forma de cantar também) é assim, "anticorporativo". "Quando você trabalha com grandes companhias de CD [seu primeiro álbum saiu pela grandona Atlantic], você está realmente lidando com indústrias. A arte fica realmente em segundo plano ou outro plano qualquer. Foi muito duro ver isso dessa perspectiva."
"Careless Love", lançado lá fora pelo selo mais alternativo Rounder Music (aqui distribuída pela major Universal), mostra fidelidade às crenças artísticas do primeiro CD. Ela ainda lembra impressionantemente Billie Holiday (alguns críticos se irritam com isso, sabe-se lá por quê), mas está um pouco menos Billie Holiday. O que teria ela a dizer sobre Lady Day? "Aprendi com ela como é ter intimidade com a música, como é contar uma história com o canto."
Peyroux é uma grande contadora de histórias. E em "Careless Love" conta histórias que são sempre tristes, mas reconfortantes, sejam elas escritas pelo "pai do blues" W.C. Handy (1873-1958) sejam elas de bardos como Leonard Cohen e Bob Dylan (que ela disse estar escutando momentos antes da entrevista).
"Boa música sempre reconforta. Billie Holiday é sempre associada com sofrimento, mas quem a escuta sempre se sente melhor", diz.
É preciso sofrer para cantar bem? "Todos sofremos. Mas é necessário reconhecer o sofrimento quando você está diante dele, assim você pode fazer algo a respeito disso." Madeleine Peyroux voltou a fazer algo a respeito. Viva.


Careless Love
    
Artista: Madeleine Peyroux
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 33, em média


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