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CDS
JAZZ
Cantora fala à Folha sobre seu segundo CD, gravado oito anos após a estréia
Madeleine Peyroux sai em busca de tempo perdido... e encontra
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Ela é uma Madeleine em busca
do tempo perdido. Tempo longo
demais para seus fãs. Madeleine
Peyroux conquistou um bocado
deles quando apareceu em 1996,
como que vinda de disco voador
de um planeta chamado Billie Holiday ou coisa que o valha.
Americana de origem francesa,
a moça, que até então cantava
mais em escadarias de metrôs de
Paris ou Nova York, se apresentava em alguma biboca quando foi
"descoberta" por um caça-talentos de uma gravadora.
Seu primeiro CD saiu pouco depois. "Dreamland" foi o chamado
"strike" (lembre-se da bola de boliche derrubando todos os pinos):
ganhou a indefectível entidade
"público & crítica". Aí sumiu. Sumiu mesmo. Só voltou a gravar no
segundo semestre de 2004.
"Careless Love", já lançado no
Brasil, confirma tudo o que prometia a cantora. Mas não cala por
completo o silêncio da estrela.
Que terá passado a esta Madeleine
durante tantos anos?
"Hi, demoiselle Madeleine Peyroux?" "Hi, that's me", diz a voz
curiosamente rouca que a Folha
tratou de ouvir, por telefone.
A cantora responde ao primeiro
"Como uma boa Madeleine você
está "em busca do tempo perdido'?" com precisão. Responde à
brincadeira com o seu nome, o
mesmo do bolinho popular na
França que faz o personagem do
romance "Em Busca do Tempo
Perdido", de Marcel Proust, começar a sua longa epopéia sentimental, com um: "De acordo com
Proust, você está sempre em busca do tempo perdido. Mas estes
oito anos que levei entre um disco
e outro não foram perda nenhuma. Foi um tempo de somar novas perspectivas para a minha vida e para a minha forma de cantar". Madeleine não é arrependida.
Demoiselle Peyroux confidencia algumas coisas desse intervalo. Teve problemas com sua voz
-que inclusive a afastaram de
uma participação no então Free
Jazz de 1997 (ela conta que o coração dela há dez anos espera outra
chance de vir ao Brasil; alô Tim
Festival, alô Chivas Festival, alô
Bourbon Street).
Conta a moça de 32 anos, que
vendeu 200 mil cópias de seu primeiro CD, marca nada, nada desprezível para um trabalho jazzístico, que voltou também, no intervalo entre os dois CDs, a cantar
nas ruas. Por prazer artístico, não
para arrebanhar moedas.
O discurso de Peyroux (e sua
forma de cantar também) é assim,
"anticorporativo". "Quando você
trabalha com grandes companhias de CD [seu primeiro álbum
saiu pela grandona Atlantic], você
está realmente lidando com indústrias. A arte fica realmente em
segundo plano ou outro plano
qualquer. Foi muito duro ver isso
dessa perspectiva."
"Careless Love", lançado lá fora
pelo selo mais alternativo Rounder Music (aqui distribuída pela
major Universal), mostra fidelidade às crenças artísticas do primeiro CD. Ela ainda lembra impressionantemente Billie Holiday
(alguns críticos se irritam com isso, sabe-se lá por quê), mas está
um pouco menos Billie Holiday.
O que teria ela a dizer sobre Lady
Day? "Aprendi com ela como é ter
intimidade com a música, como é
contar uma história com o canto."
Peyroux é uma grande contadora de histórias. E em "Careless Love" conta histórias que são sempre tristes, mas reconfortantes,
sejam elas escritas pelo "pai do
blues" W.C. Handy (1873-1958)
sejam elas de bardos como Leonard Cohen e Bob Dylan (que ela
disse estar escutando momentos
antes da entrevista).
"Boa música sempre reconforta. Billie Holiday é sempre associada com sofrimento, mas quem
a escuta sempre se sente melhor",
diz.
É preciso sofrer para cantar
bem? "Todos sofremos. Mas é necessário reconhecer o sofrimento
quando você está diante dele, assim você pode fazer algo a respeito disso." Madeleine Peyroux voltou a fazer algo a respeito. Viva.
Careless Love
Artista: Madeleine Peyroux
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 33, em média
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