São Paulo, quarta, 15 de abril de 1998

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Boleiros

Em "Boleiros", filme que estréiano próximo dia 24, Ugo Giorgetti usa o futebol para falar da vida

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

"Boleiros", a saga futebolística de Ugo Giorgetti, chega finalmente às telas. O filme tem pré-estréia hoje em São Paulo, promovida pela Folha, Espaço Unibanco de Cinema e canal Multishow.
No próximo dia 24, "Boleiros" estréia em São Paulo e em Curitiba. No Rio e em Porto Alegre, entra em cartaz em maio.
Giorgetti -diretor também de "Festa" e "Sábado"-falou à Folha sobre cinema e futebol.

Folha - Além de retratar o mundo do futebol, "Boleiros" pode ser visto também como uma crônica da cidade de São Paulo, não é?
Ugo Giorgetti -
Não gosto muito de filmes não localizados. Acho que o filme deve ter endereço. Isso lhe dá caráter, personalidade. Gosto de filmes em que você vê que as coisas se passam de um determinado jeito porque aquele lugar é daquele jeito.
Eu não teria como escapar disso. Mesmo que não mostrasse fisicamente a cidade, ela acabaria aparecendo de outra forma: no sotaque, no jeito de falar.
Folha - E o público que não gosta de futebol? Vai gostar do filme?
Giorgetti -
Espero que sim. Procurei fazer um filme que as pessoas não precisassem entender nada de futebol para segui-lo. Em parte, acho que consegui, porque no fundo "Boleiros" fala de pessoas, de seres humanos. O futebol, na verdade, é um pretexto para filmar aquele universo de pessoas.
Agora, é evidente que, se o cara odeia futebol, ele pode ter uma resistência. Mas aí, ele poderia também odiar sábados, ou odiar festas (referência aos longas anteriores do diretor). Nas exibições fechadas que fizemos de "Boleiros", convidei pessoas que não gostam de futebol e elas gostaram do filme.
Folha - As mulheres que aparecem em "Boleiros" são a "Amélia", a burguesa e a boazuda. Isso pode desagradar o público feminino?
Giorgetti -
Acho que não, porque as coisas se passam mais ou menos assim nesse universo do futebol. Aliás, do esporte em geral. Você se lembra da mulher do Jake La Motta, no "Touro Indomável"? Ela só apanhava.
Além disso, a personagem da Denise Fraga não é tão "Amélia" assim. Ela se revolta, vai atrás do cara, arma um escândalo.
Folha - Um dos pontos altos do filme são os personagens populares, interpretados por desconhecidos. Como você encontrou as pessoas certas para esses papéis?
Giorgetti -
Testes. A palavra é essa. Botei gente pesquisando, a partir de algumas recomendações básicas. Por exemplo: um Gavião da Fiel tem de parecer um Gavião da Fiel. Não adianta vir com um ariano, de gravata. Você tem que acreditar no sujeito.
Depois disso, a gente fez testes em vídeo. E você tem que ver também o sujeito no conjunto. Os três gaviões, por exemplo. Só depois que vi os três juntos, vestidos com o uniforme da torcida, achei que eram aqueles mesmo. Eles formavam um conjunto acreditável.
A Fátima Toledo (preparadora de atores) deu uma treinada no Cléber Colombo, que faz o Azul, e no André Bicudo, que faz o Caco. O André, aliás, jogou futebol no Santos e no Santo André, o que dá mais veracidade a sua atuação.
Folha - Seu filme, apesar de muito engraçado, tem um tom indisfarçavelmente melancólico. Isso tem a ver com sua visão da decadência do futebol, com a idade ou com sua visão de mundo?
Giorgetti -
Talvez tenha a ver com isso tudo, mas o principal é o seguinte: o que é triste é a carreira do jogador de futebol.
Vou dar um exemplo. Uma vez eu estava fazendo um comercial de Cinzano e precisava de um boleiro. Alguém sugeriu o Basílio, que tinha sido do Corinthians. Exatamente naquela semana, o Basílio estava ameaçando parar. Eu lia no jornal: "o velho Basílio", "o veterano Basílio".
Aí apareceu o "velho Basílio": era um jovem de 33 anos. Quer dizer, negócio mais melancólico do que isso eu não conheço.
As frases amargas do filme não são minhas. Quando o personagem do Flavio Migliaccio diz que olha as fotos na parede e se pergunta se aquilo aconteceu mesmo com ele, está repetindo uma frase do Luisinho, o Pequeno Polegar, numa entrevista à TV Cultura.
A frase do técnico -"Nunca sonhei que estou no banco, orientando o time; sempre sonho que estou jogando"- foi dita pelo Pepe no programa do Jô Soares.
Folha - Como foi o contato com jogadores e ex-jogadores para a produção do filme?
Giorgetti -
O Zé Maria e o Luís Carlos (ex-jogadores do Corinthians), além de aparecer no filme, deram uma assessoria técnica. Além disso, falamos com dezenas de jogadores, para que autorizassem a utilização de fotos suas ou de seus nomes na locução radiofônica final, de um jogo imaginário.
Alguns pediram dinheiro e não tínhamos condições de pagar. Mas, a recusa mais tocante foi a de Jair da Rosa Pinto. Quando a produção o procurou, ele respondeu: "Quero esquecer que fui do futebol. Não quero falar desse assunto nunca mais. Por favor, não insistam".
Folha - Como você escalaria a seleção brasileira para a Copa?
Giorgetti -
Eu tiraria o Dunga para colocar alguém capaz de dar um passe de três metros. O time podia ser: André; Cafu, Júlio César, Cléber e Roberto Carlos; Dejair (ou qualquer outro que não erre passe), César Sampaio, Raí e Rivaldo; Muller e Ronaldinho.
Folha - E a sua seleção brasileira de todos os tempos?
Giorgetti -
Aí é difícil. Como escolher entre Djalma Santos e Carlos Alberto Torres, entre Dirceu Lopes e Ademir da Guia? Mas vamos lá: Gilmar, Carlos Alberto, Djalma Dias, Mozer e Nilton Santos; Cerezo, Ademir da Guia e Pelé; Garrincha, Tostão e Canhoteiro. Mas, pô: ficaram de fora Júlio Botelho, Dino Sani, Chinesinho, Sócrates, Zico, Falcão...



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