São Paulo, quarta, 15 de abril de 1998

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Filme faz crônica de SP

da Equipe de Articulistas

"Boleiros - Era uma Vez o Futebol" não é, propriamente, um filme sobre o futebol. A rigor, aparecem na tela apenas duas ou três jogadas. O resto da ação se passa fora das quatro linhas.
Não é tampouco sobre os bastidores do esporte e suas mazelas: cartolagem, corrupção, doping ou coisa que o valha.
Mesmo quando esses temas afloram aqui e ali -como no hilariante episódio do juiz comprado -, o interesse de Ugo Giorgetti não é de "denúncia", mas de crônica sentimental.
Seu filme é uma declaração de amor e humor aos personagens que constituem o universo da mais profunda paixão nacional.
A estrutura narrativa é simples e engenhosa. Em torno de uma mesa de bar, um grupo de ex-jogadores e um ex-juiz evocam casos folclóricos, trágicos ou cômicos que viveram ou presenciaram.
O filme se abre então para a exposição de seis desses episódios, cada um vinculado de algum modo a um time paulista.
Por meio dessas histórias, Giorgetti não apenas dá conta das situações mais arquetípicas do esporte (o juiz ladrão, o jogador que foge da concentração, o craque que vai parar na miséria etc.), como também faz uma crônica dos diversos mundos que convivem na cidade de São Paulo.
Do hotel de luxo à favela, da redação de jornal ao terreiro de macumba, dos Jardins à Vila Nova Cachoeirinha, as várias faces da metrópole aparecem cheias de cor e vida em "Boleiros".
Do mesmo modo, os atores do filme -dos mais famosos aos mais anônimos- têm cara de gente, agem como gente, falam como gente.
Um dos grandes méritos de "Boleiros" é justamente o de revelar uma miríade de atores novos e desconhecidos, todos perfeitamente adequados a seus papéis.
Ao lado deles, brilham veteranos como Flávio Migliaccio, Otávio Augusto e, principalmente, os geniais Adriano Stuart e Rogério Cardoso (o Rolando Lero da TV).
Há passagens de irresistível comicidade (o juiz ladrão, os torcedores que levam o craque ao pai-de-santo, a mesa-redonda da TV) e há momentos de drama pungente: o ex-jogador que gasta tudo o que tem para reviver sua glória numa única noite, o jovem astro negro confundido com um criminoso, o ex-craque que não se reconhece nas fotos de juventude.
A força dramática de "Boleiros" reside justamente no contraste entre as arestas da vida cotidiana e a grandeza do mito. Se seu tom geral é elegíaco, é porque está falando de nada menos que a fugacidade da glória e da vida. (JGC)


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