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CINEMA ANÁLISE
Luiz Carlos Barreto, o poderoso chefão
ALFREDO STERNHEIM
especial para a Folha
A imprensa brasileira costuma
se manifestar com assiduidade sobre os desmandos de verbas públicas nas mais diversas áreas. Aí estão os escândalos PC Farias e Pau
Brasil para citar algumas das denúncias. É verdade que o povo fica
frustrado pela ausência de punições. Mas isso compete à Justiça.
Entretanto, no campo das artes e
da cultura, a mídia tem sido mais
omissa.
Existe por parte da maioria dos
jornalistas uma boa dose de tolerância a esse respeito. Dificilmente
se vê na imprensa questionamento
sobre os gastos de mostras e realizações feitas com verbas ou benesses oficiais.
O problema vem à mente diante
da louvação por conta de "O Que
É Isso, Companheiro?" ter sido indicado para concorrer ao Oscar de
melhor filme estrangeiro. Poucos
se deram ao trabalho de analisar e
expor a trajetória de seu produtor,
Luiz Carlos Barreto, e a sua conduta diante do cinema brasileiro
nos últimos 28 anos.
É preciso retornar ao passado.
No mesmo mês de setembro de
1969 em que Gabeira e seus aliados
sequestravam o embaixador dos
EUA, a junta militar que presidia o
Brasil em substituição ao adoentado general Costa e Silva assinou
um decreto criando a Embrafilme
(Empresa Brasileira de Filmes).
Tudo na calada da noite, sem
discussão com a categoria, da
mesma maneira como se processou há pouco a aprovação da lei
criando taxa a favor da TV Cultura
de São Paulo que, atualmente,
gasta parte de sua energia e seu dinheiro transmitindo o Carnaval
da Bahia.
Na ocasião, os trabalhadores da
indústria cinematográfica não entenderam a razão de a Embrafilme
ter sido criada. Afinal, existia o
INC (Instituto Nacional do Cinema) que cuidava, bem, do mercado e do fomento ao cinema brasileiro.
Mas, em pouco tempo, ficou tudo mais claro. Imediatamente, o
favor fiscal que permitia distribuidores e importadores co-produzirem filmes nacionais passou a exigir depósitos em nome da Embrafilme. Foi o grande passo para
transformar a intervenção estatal
no cinema em panela de favorecimentos. E nela estava Barreto.
Nos anos 70, enquanto as realizações da iniciativa privada (eram
maioria) se preocupavam em não
ter custos incompatíveis com as
receitas obtidas junto ao consumidor, a Embrafilme, pelo contrário,
gastava além da conta, dava muito
para poucos. E nessa minoria, recebendo fartas e generosas verbas,
Barreto realmente cresceu, tornou-se um poderoso chefão da indústria cinematográfica, participando de filmes importantes como "Lição de Amor", de Eduardo
Escorel, mas dando o máximo de
sua astúcia em benefício das realizações de seus filhos Fábio ("Quatrilho") e Bruno, que sempre gastaram bastante.
Nada contra a sua ascensão, se
esse dinheiro não tivesse saído dos
cofres públicos. Trabalhador e
enérgico, Barreto é o protótipo do
"medalhão" criado pelo mecenato
oficial. O seu poder de lobby
-agora com a discutível ajuda financeira do Ministério da Cultura-, que fez derrotar entre nós a
indicação de "A Ostra e o Vento"
para representar o Brasil no Oscar,
tentou fazer com que "O Que É Isso, Companheiro?" ganhasse a famosa estatueta.
Seria irônico ver os EUA premiando um produto feito com
subsídios oficiais -dinheiro do
Banespa (que tanto tem custado
ao governo), entre outros.
Tudo dentro da lei. Mas esse
comportamento será ético e louvável numa nação de tanta miséria
e desigualdade? Um escárnio.
Alfredo Sternheim é jornalista e cineasta, diretor de "Anjo Loiro" e "Lucíola", entre outros
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