São Paulo, quarta, 15 de abril de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA ANÁLISE
Luiz Carlos Barreto, o poderoso chefão

ALFREDO STERNHEIM
especial para a Folha

A imprensa brasileira costuma se manifestar com assiduidade sobre os desmandos de verbas públicas nas mais diversas áreas. Aí estão os escândalos PC Farias e Pau Brasil para citar algumas das denúncias. É verdade que o povo fica frustrado pela ausência de punições. Mas isso compete à Justiça.
Entretanto, no campo das artes e da cultura, a mídia tem sido mais omissa.
Existe por parte da maioria dos jornalistas uma boa dose de tolerância a esse respeito. Dificilmente se vê na imprensa questionamento sobre os gastos de mostras e realizações feitas com verbas ou benesses oficiais.
O problema vem à mente diante da louvação por conta de "O Que É Isso, Companheiro?" ter sido indicado para concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Poucos se deram ao trabalho de analisar e expor a trajetória de seu produtor, Luiz Carlos Barreto, e a sua conduta diante do cinema brasileiro nos últimos 28 anos.
É preciso retornar ao passado. No mesmo mês de setembro de 1969 em que Gabeira e seus aliados sequestravam o embaixador dos EUA, a junta militar que presidia o Brasil em substituição ao adoentado general Costa e Silva assinou um decreto criando a Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes).
Tudo na calada da noite, sem discussão com a categoria, da mesma maneira como se processou há pouco a aprovação da lei criando taxa a favor da TV Cultura de São Paulo que, atualmente, gasta parte de sua energia e seu dinheiro transmitindo o Carnaval da Bahia.
Na ocasião, os trabalhadores da indústria cinematográfica não entenderam a razão de a Embrafilme ter sido criada. Afinal, existia o INC (Instituto Nacional do Cinema) que cuidava, bem, do mercado e do fomento ao cinema brasileiro.
Mas, em pouco tempo, ficou tudo mais claro. Imediatamente, o favor fiscal que permitia distribuidores e importadores co-produzirem filmes nacionais passou a exigir depósitos em nome da Embrafilme. Foi o grande passo para transformar a intervenção estatal no cinema em panela de favorecimentos. E nela estava Barreto.
Nos anos 70, enquanto as realizações da iniciativa privada (eram maioria) se preocupavam em não ter custos incompatíveis com as receitas obtidas junto ao consumidor, a Embrafilme, pelo contrário, gastava além da conta, dava muito para poucos. E nessa minoria, recebendo fartas e generosas verbas, Barreto realmente cresceu, tornou-se um poderoso chefão da indústria cinematográfica, participando de filmes importantes como "Lição de Amor", de Eduardo Escorel, mas dando o máximo de sua astúcia em benefício das realizações de seus filhos Fábio ("Quatrilho") e Bruno, que sempre gastaram bastante.
Nada contra a sua ascensão, se esse dinheiro não tivesse saído dos cofres públicos. Trabalhador e enérgico, Barreto é o protótipo do "medalhão" criado pelo mecenato oficial. O seu poder de lobby -agora com a discutível ajuda financeira do Ministério da Cultura-, que fez derrotar entre nós a indicação de "A Ostra e o Vento" para representar o Brasil no Oscar, tentou fazer com que "O Que É Isso, Companheiro?" ganhasse a famosa estatueta.
Seria irônico ver os EUA premiando um produto feito com subsídios oficiais -dinheiro do Banespa (que tanto tem custado ao governo), entre outros.
Tudo dentro da lei. Mas esse comportamento será ético e louvável numa nação de tanta miséria e desigualdade? Um escárnio.


Alfredo Sternheim é jornalista e cineasta, diretor de "Anjo Loiro" e "Lucíola", entre outros


Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.