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Crítica/ "O Lago", "O Fuzil de Caça" e "Quinquilharias Nakano"
Em três livros, japoneses veem erotismo com desencantamento
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A
Estação Liberdade tem
lançado uma série interessante de obras de literatura japonesa.
Comento três delas, de autores de gerações distintas, que
tratam a seu modo o erotismo
-ao mesmo tempo pudico e
perverso- que lhes é comum.
"O Lago", novela de Yasunari
Kawabata (1899-1972), Nobel
de Literatura de 1968, possui
uma beleza complexa, não
isenta de tristeza e horror. Em
resumo, se ocupa das andanças
de um professor de colégio que
segue meninas pela rua, buscando ocasião de abordá-las.
A atração irresistível o leva a
ser expulso da escola, viver em
condição marginal e a provar o
mais abjeto de si mesmo. Um
rasgo de tornozelo branco entre a meia e a calça curta magnetiza todos os seus sentidos,
fazendo-o sentir igualmente o
peso fúnebre dessa beleza intensa de menina que "irá, no
máximo, até os 16 ou 17 anos".
Progressivamente, o professor é presa de um delírio visual
e auditivo. Amplificam-se, distorcidos, os seus próprios pés,
feios como as garras de um macaco, e a memória afetiva de
criança, quando vivia na aldeia
da mãe, às margens de um
grande lago.
Sentia então a sua face imóvel e congelada, como um espelho; a presença vasta e ameaçadora, subitamente revelada por
um relâmpago em meio à escuridão sem forma aparente.
Em algum momento desse
delírio nostálgico as meninas
tomavam a forma de vaga-lumes a serem caçados no "hotarugari", a festa mais popular
durante o verão na aldeia.
"O Fuzil de Caça", de Yasushi
Inoue (1907-1991), se compõe
de três cartas de mulheres que
poderiam explicar os acontecimentos por trás de um poema
sobre a solidão de um caçador
armado de fuzil, ao lado do leito
branco de um rio.
Na primeira, a sobrinha do
caçador lhe diz que, ao ler o diário da mãe que havia se suicidado, descobrira o longo caso de
amor entre eles e pede que não
mais a procure.
Na segunda, a mulher legítima lhe pede o divórcio e revela
que sempre soube do seu caso
com a prima, sem jamais tê-lo
deixado de amar, mesmo enquanto, para vingar-se, também o traía.
A terceira carta é da própria
amante suicida, cujo teor quebra toda expectativa criada em
torno do amor entre eles. O caso é então descrito como um
"castigo", naturalmente merecido pela mulher que, em vez de
aceitar "o sofrimento de amar",
busca vulgarmente "a felicidade de ser amada".
"Quinquilharias Nakano", de
Hiromi Kawakami (1958), é um
romance composto de pequenos contos, conduzidos a cada
vez pela história de um objeto
ou acontecimento insignificante de uma loja de objetos usados -velhos, mas não o suficiente para alcançar a dignidade e o preço de antigualhas.
Subjacente à atmosfera obtusamente prosaica dos contos,
costura-se o apaixonamento
desajeitado de dois de seus jovens empregados, para os quais
namorar parece muito mais
complicado que executar as pequenas tarefas da loja, encerradas em sua própria miudeza.
Diálogos que não deslancham, pensamentos interrompidos e "nonsense" dão o andamento do romance, que domina perfeitamente a técnica de
produzir o que chama de "beleza dos espaços vazios".
ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na
Unicamp
O LAGO
Autor: Yasunari Kawabata
Tradução: Meiko Shimon
Editora: Estação Liberdade
Quanto: R$ 37 (164 págs.)
Avaliação: ótimo
O FUZIL DE CAÇA
Autor: Yasushi Inoue
Tradução: Jefferson José Teixeira
Editora: Estação Liberdade
Quanto: R$ 29 (112 págs.)
Avaliação: bom
QUINQUILHARIAS NAKANO
Autor: Hiromi Kawakami
Tradução: Jefferson José Teixeira
Editora: Estação Liberdade
Quanto: R$ 46 (288 págs.)
Avaliação: bom
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