São Paulo, sábado, 15 de maio de 2010

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Crítica/ "O Lago", "O Fuzil de Caça" e "Quinquilharias Nakano"

Em três livros, japoneses veem erotismo com desencantamento

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A Estação Liberdade tem lançado uma série interessante de obras de literatura japonesa. Comento três delas, de autores de gerações distintas, que tratam a seu modo o erotismo -ao mesmo tempo pudico e perverso- que lhes é comum.
"O Lago", novela de Yasunari Kawabata (1899-1972), Nobel de Literatura de 1968, possui uma beleza complexa, não isenta de tristeza e horror. Em resumo, se ocupa das andanças de um professor de colégio que segue meninas pela rua, buscando ocasião de abordá-las.
A atração irresistível o leva a ser expulso da escola, viver em condição marginal e a provar o mais abjeto de si mesmo. Um rasgo de tornozelo branco entre a meia e a calça curta magnetiza todos os seus sentidos, fazendo-o sentir igualmente o peso fúnebre dessa beleza intensa de menina que "irá, no máximo, até os 16 ou 17 anos".
Progressivamente, o professor é presa de um delírio visual e auditivo. Amplificam-se, distorcidos, os seus próprios pés, feios como as garras de um macaco, e a memória afetiva de criança, quando vivia na aldeia da mãe, às margens de um grande lago.
Sentia então a sua face imóvel e congelada, como um espelho; a presença vasta e ameaçadora, subitamente revelada por um relâmpago em meio à escuridão sem forma aparente. Em algum momento desse delírio nostálgico as meninas tomavam a forma de vaga-lumes a serem caçados no "hotarugari", a festa mais popular durante o verão na aldeia.
"O Fuzil de Caça", de Yasushi Inoue (1907-1991), se compõe de três cartas de mulheres que poderiam explicar os acontecimentos por trás de um poema sobre a solidão de um caçador armado de fuzil, ao lado do leito branco de um rio.
Na primeira, a sobrinha do caçador lhe diz que, ao ler o diário da mãe que havia se suicidado, descobrira o longo caso de amor entre eles e pede que não mais a procure. Na segunda, a mulher legítima lhe pede o divórcio e revela que sempre soube do seu caso com a prima, sem jamais tê-lo deixado de amar, mesmo enquanto, para vingar-se, também o traía.
A terceira carta é da própria amante suicida, cujo teor quebra toda expectativa criada em torno do amor entre eles. O caso é então descrito como um "castigo", naturalmente merecido pela mulher que, em vez de aceitar "o sofrimento de amar", busca vulgarmente "a felicidade de ser amada".
"Quinquilharias Nakano", de Hiromi Kawakami (1958), é um romance composto de pequenos contos, conduzidos a cada vez pela história de um objeto ou acontecimento insignificante de uma loja de objetos usados -velhos, mas não o suficiente para alcançar a dignidade e o preço de antigualhas.
Subjacente à atmosfera obtusamente prosaica dos contos, costura-se o apaixonamento desajeitado de dois de seus jovens empregados, para os quais namorar parece muito mais complicado que executar as pequenas tarefas da loja, encerradas em sua própria miudeza. Diálogos que não deslancham, pensamentos interrompidos e "nonsense" dão o andamento do romance, que domina perfeitamente a técnica de produzir o que chama de "beleza dos espaços vazios".


ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp


O LAGO

Autor: Yasunari Kawabata
Tradução: Meiko Shimon
Editora: Estação Liberdade
Quanto: R$ 37 (164 págs.)
Avaliação: ótimo

O FUZIL DE CAÇA

Autor: Yasushi Inoue
Tradução: Jefferson José Teixeira
Editora: Estação Liberdade
Quanto: R$ 29 (112 págs.)
Avaliação: bom

QUINQUILHARIAS NAKANO

Autor: Hiromi Kawakami
Tradução: Jefferson José Teixeira
Editora: Estação Liberdade
Quanto: R$ 46 (288 págs.)
Avaliação: bom




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