São Paulo, sexta-feira, 15 de dezembro de 2000

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Fim do milênio



Museu de Arte Moderna de SP abre o seu acervo de obras de artistas dos anos 90 para encerrar a temporada 2000
JULIANA MONACHESI
DA REPORTAGEM LOCAL

Um homem nu tem sua boca aberta forçosamente por um instrumento de metal. Uma bala é posta sobre sua língua, e ele permanecerá sentado até que a bala se desvaneça. A tarefa impossível de chupar a bala resulta na cena de um homem com cara de dor babando até a bala desaparecer.
A performance "Bala", criada pela artista mineira Laura Lima, está entre as 40 obras que o Museu de Arte Moderna mostra a partir de hoje em sua exposição de encerramento do ano, intitulada "Fim do Milênio - Os Anos 90 no Acervo do MAM".
O fato de todas as obras expostas pertencerem ao acervo do museu demonstra que a política de aquisições do MAM vai muito bem. O local é, por exemplo, o primeiro do país a adquirir direitos de realização de performances.
Além de "Bala", a performance "Calção", que Laura Lima apresentou na Bienal de 98 -em que dois homens presos um ao outro pelos quadris movimentavam-se por um espaço determinado até não aguentarem mais de cansaço-, também foi comprada.
A dificuldade de conservação da obra, como uma performance, por exemplo, é apenas uma das questões que a produção artística do fim do milênio levanta.
Segundo o curador da exposição, Tadeu Chiarelli, o que caracteriza a "geração 90" é a pluralidade e a contaminação da arte por questões extra-artísticas.
"Com o fim das utopias, que direcionavam proposições estéticas conflitantes entre si, vivemos o império da pluralidade, em que ocorre uma convivência das mais diversas vertentes", afirma Chiarelli. Para ele, há quatro características mais fortes na produção contemporânea, presentes nas obras em exposição.
São elas a presença de mitologias individuais ou trabalhos autobiográficos; uma produção voltada para a questão da morte do autor, do anonimato da imagem; a idéia de corpo como labirinto, como espaço de embate; e a questão política ou dimensão social de certas obras de arte.
Essas características podem ser conferidas em obras como as de Sandra Cinto, que insere auto-retratos nos trabalhos (questão das mitologias), as pinturas de Caetano de Almeida, cópias de obras do Masp (questão do anonimato), o baralho criado por Michel Groissman, em que cada carta retrata uma parte do corpo humano e que pode ser manipulado pelo observador (questão do corpo) e a serigrafia de Iran do Espírito Santo, uma bandeira do Brasil em negro (questão política).
Já a presença de pinturas de Sérgio Sister e Rodrigo Andrade, que despontaram na cena artística durante a década de 80, não é despropositada, diz Chiarelli.
"Vertentes de resistência à ruína do projeto moderno também estão presentes nesse momento, então o museu não pode ignorá-las, não pode ser partidário."
A exposição está dividida em quatro núcleos: obras adquiridas pelo Núcleo de Arte Contemporânea, doações, aquisições recentes e trabalhos comprados por meio da parceria do museu com a Telesp Celular e com a Nestlé.
As obras que estão dando mais dor de cabeça à equipe de conservação entraram para o acervo via Núcleo de Arte Contemporânea.
Além das performances de Laura Lima, o núcleo adquiriu "Nota sobre uma Cena Acesa ou os Dez Mil Lápis Amarelos", de José Damasceno, em que o artista cria, pregando 10 mil lápis amarelos à parede, a cena de uma pessoa observando um quadro branco.
"Esses trabalhos suscitam novas discussões sobre preservação, mas o museu vai criando um know-how", afirma. "O artista tem uma atitude revoltosa, de mudança do presente; o museu tem uma atitude preservacionista, de conservar o passado."
Também a obra de Franklin Cassaro, um templo feito de jornal inflado por ventiladores, é bastante frágil. "Nós podíamos resolver a questão colecionando apenas pintura, escultura etc, mas estaríamos nos privando de legar para o futuro obras importantes."




Exposição: Fim do Milênio - Os Anos 90 no Acervo do MAM
Onde: MAM (parque Ibirapuera, portão 3, São Paulo, tel. 0/xx/11/5549-9688)
Quando: abertura hoje, das 12h às 18h; ter., qua. e sex., das 12h às 18h; qui., das 12h às 22h; sáb., dom. e feriados, das 10h às 18h. Até 18/1
Quanto: R$ 5; entrada franca às terças e após as 17h de quinta




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