São Paulo, sábado, 15 de dezembro de 2001

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TEATRO

Em "Desejos, Bazófias e Queda", diretor expõe como terrores globais, nacionais e pessoais interferem no cotidiano

Hamilton brinca com bem e mal-estar

VALMIR SANTOS
FREE-LANCE PARA A FOLHA

No dia em que o mundo reviu à exaustão a queda das torres gêmeas, quando todos os diagnósticos apontavam que, dali em diante, nada seria como dantes, o diretor carioca Hamilton Vaz Pereira, em passagem por um hotel de São Paulo, recebeu a notícia da confirmação do patrocínio de "Desejos, Bazófias e Quedas", a sua nova peça entre as duas dezenas que estima ter escrito.
Ainda impressionado pelas imagens, foi então que Pereira se deu conta de que já ouvira argumento similar de que "o mundo não seria mais o mesmo".
Em âmbito nacional, foi assim com a deflagração do regime militar, em 64, ou com a campanha pelas eleições diretas, em 84. Também não é difícil apontar exemplos em escala internacional como os de 11 de setembro.
"No mundo e na vida da gente, passa cada vez mais rápido essa onda de bem-estar e mal-estar, de notícias tétricas e boas", afirma Hamilton Vaz Pereira, 50.
"É evidente que as coisas mudam de fato, o bicho pega em vários setores, mas, ao mesmo tempo, a vida continua, não tem essa. A pessoa precisa beber água, ter onde morar e trabalhar muito, como eu, para ensaiar e apresentar um bom espetáculo."
"Desejos, Bazófias e Quedas", que entra em cartaz hoje no teatro do Jockey, no Rio, propõe-se a dar "uma força para o público" a partir da reprodução, no palco, de excertos de seu cotidiano profissional, afetivo, sexual etc., inclusive de seu universo exterior, leia-se bombardeio de imagens de terror no noticiário.
Em cerca de 30 anos de cena, Hamilton Vaz Pereira diz que seus personagens têm uma "alegria de viver no palco" que reafirma a existência do teatro e daquele que vai ao seu encontro, o público. Seus espetáculos parecem "fáceis", o elenco sugere improviso, mas tudo resulta de "esforço tremendo", diz ele.
O diretor e dramaturgo aprendeu a cultivar essa retroalimentação no Asdrúbal Trouxe o Trombone (1972-83), grupo carioca do qual foi um dos fundadores ao lado de intérpretes como Regina Casé, Luiz Fernando Guimarães, Evandro Mesquita e Lena Brito.
O novo espetáculo, como os demais, não perde a ligação com o Asdrúbal. A começar pelas brincadeiras com as convenções do teatro. Sete integrantes de uma trupe, incluindo autor, atores e equipe técnica, pisam no palco para ensaiar, mas a platéia já está ali, à espera do que virá.
"Desejos, Bazófias e Quedas" desfila tipos como o casal Getúlia (Lena Brito) e Zav (Leonardo Medeiros), que acaba de sair de um hospital, vítima de acidente.
"São personagens que, dentro do palco, buscam se afirmar na vida. A existência, no entanto, reserva momentos para vangloriar-se [bazófias] e para cair", diz Pereira. Por meio de situações de um e de outro, o autor quer contar a história do conjunto de tipos que colhe por aí.
Há referências a "vários teatros" em cenas que ora citam a mitologia grega, ora sugerem questionamentos existenciais dignos de Samuel Beckett, sempre com bom humor, como quer Pereira.


DESEJOS, BAZÓFIAS E QUEDAS. Texto e direção: Hamilton Vaz Pereira. Com: Luciana Braga, Lena Brito, Leonardo Medeiros, Íris Bustamante, Bruno Garcia, Tatiana Vereza e Ernesto Piccolo. Onde: teatro do Jockey (r. Mário Ribeiro, 410, Gávea, RJ, tel. 0/xx/21/2540-9853). Quando: estréia hoje, às 21h; de qui. a sáb., às 21h; dom., às 20h. Quanto: R$ 7 (preço promocional até 28/12). Até 8/2. Patrocinador: Procena -°Secretaria de Estado da Cultura do Rio.


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