São Paulo, sábado, 15 de dezembro de 2007

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Livros

Crítico vê plágio de versão de Quintana

Nova Cultural publica tradução de Voltaire que tem mesma estrutura e erros cometidos no original de Mario Quintana

Editora diz que determinou auditoria e "criteriosa apuração", mas não forneceu à Folha dados e contatos do tradutor

MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando participou da mítica sala de tradutores da editora Globo de Porto Alegre nos anos 50, Mario Quintana não imaginou que seu trabalho daria tantos frutos. Além das traduções "oficiais", há pelo menos uma versão de sua autoria que foi adulterada e está sendo comercializada por uma grande editora, sem citar a fonte. É do poeta a tradução assinada por Roberto Domênico Proença dos "Contos" de Voltaire, publicada pela Nova Cultural em 2003.
A apropriação do trabalho de Quintana foi constatada pelo crítico e colunista da Folha Manuel da Costa Pinto, que coordenou em 2005 a reedição revisada e atualizada de "Contos e Novelas" para a editora Globo (que adquiriu o acervo e os direitos da antiga Globo de Porto Alegre nos anos 80). Para o crítico, "o tradutor apenas introduziu algumas modificações na tradução de Quintana, criando diferenças cosméticas. A estrutura das frases é sempre igual, com a alteração esporádica de alguns substantivos, pronomes e conectivos".
Além da "maquiagem", dois pontos reafirmam a suspeita de plágio, segundo o crítico. Primeiro, alguns erros cometidos por Quintana e reproduzidos na tradução atribuída a Proença. E, mais grave, o fato de que houve pelo menos um pequeno trecho omitido (por erro de Quintana ou de diagramação), uma supressão que foi constatada e corrigida na reedição de 2005, mas que foi reproduzida na edição da Nova Cultural.
A edição da Nova Cultural é inspirada em uma edição publicada em 1983 pela Abril Cultural, com a tradução corretamente atribuída a Mario Quintana. "A tradução de Quintana continha erros que acabaram migrando da edição da Globo para a edição da Abril (que a republicou sob licença), mas que não poderiam ter aparecido na edição da Nova Cultural se esta fosse de fato uma nova tradução", diz o crítico.
A sobrinha do poeta, Elena Quintana, que responde pelos direitos da obra intelectual do tio, está indignada com a história. Ela diz que Quintana "nunca magoou emocionalmente ou materialmente" ninguém. "Meu tio dizia que só se rouba dos mais ricos. Esse senhor [que assinou a tradução] deve ser uma pessoa muito pobre", ironizou.
A Folha tentou obter os contatos da pessoa que assina como tradutor, mas até o fechamento desta edição a Nova Cultural não havia fornecido nenhum dado a seu respeito. O coordenador editorial da ed. Globo, Joaci Furtado, afirma não ter negociado nenhuma reedição com a Nova Cultural. A advogada especializada em direito autoral Maria Luiza de Freitas Valle Egea diz que a reprodução de erros de tradução é justamente uma das principais formas utilizadas por peritos para caracterizar plágio.
Há outros casos envolvendo a Nova Cultural. Um exame da tradução de "Madame Bovary", clássico de Flaubert que teria sido vertido por Enrico Corvisieri para a casa, é na verdade uma tradução de Araújo Nabuco publicada pela Abril Cultural em 1979. A versão de Nabuco é conhecida de uma especialista na obra de Flaubert consultada pela Folha, a tradutora Fúlvia M. S. Moretto, que desconhece o trabalho de Corvisieri. E a editora gaúcha L&PM republicou a tradução atribuída a Enrico Corvisieri. Segundo Ivan Pinheiro Machado, editor da L&PM, sua editora apenas fez uma permuta de títulos com a Nova Cultural. O contrato que permitiria as impressões é de 2003, expira em janeiro e "não será renovado".
O poeta e tradutor Ivo Barroso já havia apontado em artigo na revista "Agulha", outro caso da mesma Nova Cultural. A tradução de "Cyrano de Bergerac", de 2003, de Fábio M. Alberti, é na verdade uma cópia da tradução de Carlos Porto Carreiro publicada pela antiga editora Pongetti, em 1966.

Outro lado
Procurada pela Folha, a editora Nova Cultural disse que "determinou ao seu departamento de auditoria que fossem adotadas urgentes providências para criteriosa apuração dos fatos". Segundo a editora, "o resultado dessa apuração permitirá que quaisquer equívicos eventualmente cometidos possam ser imediatamente reparados perante quem de direito". A Nova Cultural confirma o caso de "Cyrano de Bergerac", mas diz que "alertada de tal equívoco, procedeu no mesmo ano [2003] a uma nova edição da obra, com a menção correta do tradutor".
A editora Abril afirmou, através de sua assessoria, que os direitos relativos aos antigos clássicos da Abril Cultural foram transferidos em 1982 e hoje pertencem ao grupo CLC, que controla a Nova Cultural.


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