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Crítico vê plágio de versão de Quintana
Nova Cultural publica tradução de Voltaire que tem mesma estrutura e erros cometidos no original de Mario Quintana
Editora diz que determinou auditoria e "criteriosa apuração", mas não forneceu à Folha dados e contatos do tradutor
MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando participou da mítica
sala de tradutores da editora
Globo de Porto Alegre nos anos
50, Mario Quintana não imaginou que seu trabalho daria tantos frutos. Além das traduções
"oficiais", há pelo menos uma
versão de sua autoria que foi
adulterada e está sendo comercializada por uma grande editora, sem citar a fonte. É do poeta
a tradução assinada por Roberto Domênico Proença dos
"Contos" de Voltaire, publicada
pela Nova Cultural em 2003.
A apropriação do trabalho de
Quintana foi constatada pelo
crítico e colunista da Folha
Manuel da Costa Pinto, que
coordenou em 2005 a reedição
revisada e atualizada de "Contos e Novelas" para a editora
Globo (que adquiriu o acervo e
os direitos da antiga Globo de
Porto Alegre nos anos 80). Para
o crítico, "o tradutor apenas introduziu algumas modificações
na tradução de Quintana,
criando diferenças cosméticas.
A estrutura das frases é sempre
igual, com a alteração esporádica de alguns substantivos,
pronomes e conectivos".
Além da "maquiagem", dois
pontos reafirmam a suspeita de
plágio, segundo o crítico. Primeiro, alguns erros cometidos
por Quintana e reproduzidos
na tradução atribuída a Proença. E, mais grave, o fato de que
houve pelo menos um pequeno
trecho omitido (por erro de
Quintana ou de diagramação),
uma supressão que foi constatada e corrigida na reedição de
2005, mas que foi reproduzida
na edição da Nova Cultural.
A edição da Nova Cultural é
inspirada em uma edição publicada em 1983 pela Abril Cultural, com a tradução corretamente atribuída a Mario Quintana. "A tradução de Quintana
continha erros que acabaram
migrando da edição da Globo
para a edição da Abril (que a republicou sob licença), mas que
não poderiam ter aparecido na
edição da Nova Cultural se esta
fosse de fato uma nova tradução", diz o crítico.
A sobrinha do poeta, Elena
Quintana, que responde pelos
direitos da obra intelectual do
tio, está indignada com a história. Ela diz que Quintana "nunca magoou emocionalmente ou
materialmente" ninguém.
"Meu tio dizia que só se rouba
dos mais ricos. Esse senhor
[que assinou a tradução] deve
ser uma pessoa muito pobre",
ironizou.
A Folha tentou obter os contatos da pessoa que assina como tradutor, mas até o fechamento desta edição a Nova
Cultural não havia fornecido
nenhum dado a seu respeito. O
coordenador editorial da ed.
Globo, Joaci Furtado, afirma
não ter negociado nenhuma
reedição com a Nova Cultural.
A advogada especializada em
direito autoral Maria Luiza de
Freitas Valle Egea diz que a reprodução de erros de tradução
é justamente uma das principais formas utilizadas por peritos para caracterizar plágio.
Há outros casos envolvendo
a Nova Cultural. Um exame da
tradução de "Madame Bovary",
clássico de Flaubert que teria
sido vertido por Enrico Corvisieri para a casa, é na verdade
uma tradução de Araújo Nabuco publicada pela Abril Cultural em 1979. A versão de Nabuco é conhecida de uma especialista na obra de Flaubert consultada pela Folha, a tradutora
Fúlvia M. S. Moretto, que desconhece o trabalho de Corvisieri. E a editora gaúcha L&PM
republicou a tradução atribuída a Enrico Corvisieri. Segundo
Ivan Pinheiro Machado, editor
da L&PM, sua editora apenas
fez uma permuta de títulos
com a Nova Cultural. O contrato que permitiria as impressões
é de 2003, expira em janeiro e
"não será renovado".
O poeta e tradutor Ivo Barroso já havia apontado em artigo
na revista "Agulha", outro caso
da mesma Nova Cultural. A
tradução de "Cyrano de Bergerac", de 2003, de Fábio M. Alberti, é na verdade uma cópia
da tradução de Carlos Porto
Carreiro publicada pela antiga
editora Pongetti, em 1966.
Outro lado
Procurada pela Folha, a editora Nova Cultural disse que
"determinou ao seu departamento de auditoria que fossem
adotadas urgentes providências para criteriosa apuração
dos fatos". Segundo a editora,
"o resultado dessa apuração
permitirá que quaisquer equívicos eventualmente cometidos possam ser imediatamente
reparados perante quem de direito". A Nova Cultural confirma o caso de "Cyrano de Bergerac", mas diz que "alertada de
tal equívoco, procedeu no mesmo ano [2003] a uma nova edição da obra, com a menção correta do tradutor".
A editora Abril afirmou, através de sua assessoria, que os direitos relativos aos antigos
clássicos da Abril Cultural foram transferidos em 1982 e hoje pertencem ao grupo CLC,
que controla a Nova Cultural.
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