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Ladrão de livros não tem idade, cor ou sexo
Livrarias investem em segurança e câmeras de vigilância para evitar furtos
Variedade de títulos eleitos
por ladrões indica que há quem roube para consumo próprio, para revenda e também por encomenda
DA REPORTAGEM LOCAL
"O bom de roubar livros (e
não cofres) é que é possível examinar detidamente o seu conteúdo antes de perpetrar o delito", disse o escritor chileno Roberto Bolaño (1953-2003) numa de suas últimas entrevistas.
A compulsão por subtrair livros permite um diagnóstico
provável: Bolaño sofria de bibliocleptomania. O dicionário
Houaiss (este também um
best-seller dos ladrões) descreve o termo como "compulsão,
vício ou mania de furtar livros".
"É o sujeito que valoriza muito o livro, sente um impulso irresistível de possuí-lo, tornando-o um objeto-fetiche", explica o psicanalista Joel Birman.
Mas não são só os cleptomaníacos das letras que agem em
livrarias. Birman destaca o roubo instrumental (para revenda
e lucro) e o ladrão de perfil maníaco. "É aquele que comete esse ato antissocial para desafiar
o destino, pela adrenalina. O
gozo está na experiência, e não
no objeto."
O ladrão e o livreiro
A ação dos ladrões de livros
fez com que as livrarias aumentassem o investimento em
equipamentos de segurança e
mudassem as estratégias de posicionamento dos principais alvos de furtos.
Objetos do desejo da vez
-como a série de vampiros
teens "Crepúsculo", de Stephenie Meyer-, bem como clássicos da subtração -como dicionários e livros técnicos (considerados como roubos por encomenda)-, são dispostos onde
possam ser bem vigiados.
Segundo Lilian Ring, gerente
geral da Haikai, volta e meia
surgem alguns tipos conhecidos pela atitude suspeita. "Se
eles entram na loja, colocamos
um vendedor em cima."
Se a suspeita se confirmar, o
jeito é abordar o cliente, já do
lado de fora da loja, após consumado o delito. "O jeito é comunicar a elas que "se esqueceram"
de pagar pelo livro", diz Afonso
Antonio Pragana, 52, gerente
administrativo da livraria Letras e Expressões, no Rio.
Outros livreiros colecionam
aventuras detetivescas com os
ladrões que passaram por seu
caminho. É o caso de Rui Campos, 56, dono da Livraria da
Travessa, também no Rio: já
agarrou um pela blusa na travessa do Ouvidor e foi aplaudido, seguiu os passos de outro
em Ipanema até uma feira de livros e enganou um terceiro deixando exposta uma caixa de
obras completas de Fernando
Pessoa com um tijolo dentro.
Campos constata periodicamente o desaparecimento mágico de exemplares de Nietzsche das prateleiras e avalia que
muita gente acha que roubar livros não é crime nem pecado.
"Nos anos 70, as pessoas achavam que furtar livros era expropriar um capitalista e difundir a
cultura", diz. "Contavam-se
causos com orgulho. Isso, infelizmente, existe até hoje."
Acima de suspeita
Com 36 anos de experiência
em livrarias, o vendedor José
Lino Mendes, 51, é uma autoridade no assunto. Começou a
carreira em 1973, na sessão de
livros eróticos de uma livraria
da avenida São João, em São
Paulo, onde os roubos eram
diários. Desde então, passou
por várias redes. "Desenvolvi
um faro para a coisa", diz. Na
falta de estatísticas oficiais, seu
Lino é um termômetro da prática. "O número de casos vem
aumentando", afirma.
Aprendeu com os anos que
ladrão de livros não tem cara,
cor, sexo ou classe social. "Já
peguei professor e aluno, advogado e bandido, adolescentes e
senhoras de idade", conta.
As técnicas usadas, no entanto, sempre o surpreendem, e
seu Lino guarda como troféu
uma engenhosa caixa de fundo
falso que pegou de um gatuno
(veja foto nesta página). "Quando alguém começa a olhar muito para os lados, a gente logo
desconfia."
(FERNANDA MENA)
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