São Paulo, sábado, 16 de janeiro de 2010

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LIVROS

Sarcasmo marca livro de estreia do ator de "House"

Trama de ação só perde interesse quando Hugh Laurie faz frases pseudopoéticas

Originalmente publicado em 1996 e só agora lançado no Brasil, romance revela humor que escritor depois consolidaria na série de TV

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Como ator, Hugh Laurie é um homem de muitas faces. Seu rosto inquietante ganhou mais visibilidade pelo cinema há pouco mais de uma década, em papéis como o de marido vitoriano em "Razão e Sensibilidade", raptor de cãezinhos em "101 Dálmatas" e pai de família que adota um rato em "O Pequeno Stuart Little". Laurie já fez até uma versão pouco disfarçada do ladrão Ronald Biggs em "Garota do Rio" poucos anos antes de alcançar sua atual glória como protagonista da série "House".
Outra face, até agora secreta, se torna visível aos leitores brasileiros com a tradução de "O Vendedor de Armas", romance de estreia do ator, publicado originalmente em 1996.
Como está impregnada do gosto doce-amargo de Gregory House, a assinatura de Laurie carrega para o livro a marca do sarcasmo característica de seu personagem. No entanto, a execução da obra, feita em período anterior, é que revela elementos e em particular o humor que depois consolidou na série.
"O Vendedor de Armas" segue as peripécias de Thomas Lang, um oficial do Exército escocês que se envolve numa trama de terrorismo internacional movida pela paranoia da conspiração. Em torno dele, circulam traficantes de armas, empresários transnacionais e uma bela e irresistível mulher fatal, em direção aos quais Lang dispara eventualmente tiros e frequentemente veneno na forma de comentários.
Além da narrativa em primeira pessoa, a paixão por motocicletas do protagonista e sua linguagem marcada por ironias impõem imediata associação da voz de Lang com a do autor do romance. O que pode dar força à performance comercial do produto neste momento de intensiva exposição de Laurie.
Mas além desse tipo de semelhança, "O Vendedor de Armas" não tem nenhuma preocupação em afirmar um talento literário próprio ou ao menos distinto na massa de escrevedores de livros. Sua matriz segue os mesmos esquemas da eficácia e da habilidade narrativa que sustenta outras bem-sucedidas tramas de ação, como as do agente Jason Bourne nos livros do escritor Robert Ludlum ou as encrencas de Jack Bauer na série "24 Horas".
A cada dezena de páginas, seguimos Thomas Lang metido numa enrascada, da qual sempre sai com um admirável jogo de cintura, o que garante ao leitor uma travessia sempre animada das 288 páginas de "O Vendedor de Armas".
O livro só perde interesse quando Laurie imagina ter habilidades literárias e comete frases pseudopoéticas como "Alvorada. Nascer do Sol. Amanhecer. Todas as anteriores. Ainda havia uma escuridão no horizonte, mas já com uma mancha laranja nele. A noite estava encolhendo de volta para o chão enquanto o sol lutava para colocar uma mão nos limites do horizonte".
Nesses momentos, é melhor optar por Laurie representando o texto mais talentoso dos roteiristas de "House".



O VENDEDOR DE ARMAS
Autor: Hugh Laurie
Tradução: Cassius Medauar
Editora: Planeta
Quanto: R$40 (288 págs.)
Avaliação: bom


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