São Paulo, sábado, 16 de junho de 2007

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Crítica/política

Pré-candidato, Obama adota tom conciliador

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"A Audácia da Esperança" é o título do segundo livro do senador americano Barack Obama e também do discurso de 20 minutos que o catapultou para a celebridade política durante a convenção nacional do seu partido, o Democrata, em 2004. Obama é uma das muitas estrelas da campanha presidencial de 2008, já a pleno vapor nos EUA, com uma antecedência sem precedentes na história do país.
Sua proeminência não se deve apenas ao fato de ele poder se tornar o primeiro presidente negro de uma nação que há menos de 50 anos ainda praticava leis de apartheid em grande parte de sua área territorial.
O fato de ser mestiço, filho de um negro natural do Quênia com uma branca natural de Kansas (Estado-protótipo do meio-oeste dos EUA), criado no Havaí e na Indonésia pelo padrasto muçulmano e pela mãe atéia, apenas confere a Obama toques adicionais de curiosidade, mistério e charme.
Mesmo sem esses ingredientes, no entanto, ele provavelmente ainda seria um político diferenciado pelo comportamento despretensioso, quase naturalmente humilde, com que fala sobre grandes temas e pelos dons de oratória raramente inflamada, mas capaz de provocar comoção que o consagraram desde a primeira vez que se expôs a uma audiência nacional.
O livro que agora é publicado no Brasil saiu nos EUA no ano passado e seu lançamento foi interpretado corretamente como um dos primeiros indícios públicos de que ele concorreria à Presidência em 2008, embora a maioria dos analistas julgasse que ele só daria esse passo quatro ou oito anos mais tarde, após ter pelo menos cumprido um mandato em cargo eletivo federal (o de senador por Illinois, que ele assumiu em 2005).
Ao contrário de sua estréia literária ("Dreams of My Father", sonhos do meu pai, de 1995), este é um volume que segue os preceitos tradicionais da política americana e, talvez, um indício de que o eventual presidente Obama poderá ser bem mais previsível do que o candidato inesperado possa sugerir. Em "Dreams of My Father", o então professor de Direito da Universidade de Chicago, ativista comunitário dos bairros negros pobres da cidade e aspirante ao Legislativo estadual, indicava que suas ambições eleitorais ou não seriam muito grandes ou seriam atingidas por caminhos muito heterodoxos.
Afinal, ele relatava com constrangedora candidez detalhes de sua infância e juventude conturbadas, que incluíam experimentos com diversos tipos de droga e sentimentos de revolta furiosa contra o preconceito racial.
Em "A Audácia da Esperança", quem emerge é o político que se caracteriza pela tentativa de conciliar todos os interesses, sem nenhuma agressividade ou rancor contra quem quer que seja.
Obama diz não haver contradição entre os dois livros. São o resultado do seu amadurecimento como pessoa agora em paz total consigo e como político agora em busca do posto mais poderoso do mundo.
É o testemunho de um líder que crê em mudanças, mas não via transformações radicais nem rápidas, apenas por processos lentos e negociados que respeitem princípios de estabilidade, continuidade, tradição.


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é diretor de relações institucionais da Patri Políticas Públicas. É membro do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da USP, do Centro Brasileiro de Relações Internacionais e do conselho editorial da "Revista de Política Externa".

A AUDÁCIA DA ESPERANÇA
Autor:
Barack Obama
Editora: Larousse do Brasil
Quanto: R$ 49,90 (400 págs.)
Avaliação: bom


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