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NINA HORTA
Momento "Ratatouille"
Fiquei esperando o fim de semana chegar para correr
à locadora, alugar dois DVDs, assisti-los e cozinhar
O LIVRO se chama "O Cinema
Vai à Mesa - Histórias e Receitas", de Rubens Ewald Filho e Nilu Lebert (ed. Melhoramentos; R$ 59, preço sugerido).
Sempre repito uma história que
aconteceu no sítio. O caseiro chegou
com uma farofa de fígado de peixe
para mim. Empurrei o prato para
meu marido, que me olhou com ares
assassinos. Fingindo de inocente,
perguntei: "Mas você adora farofa,
adora fígado e adora peixe". Escandindo as sílabas, respondeu: "Adoro
cada um deles, mas detesto farofa-de-fígado-de-peixe".
Este livro tinha o mesmo problema. Dois livros que me dariam muito prazer. Um sobre filmes que tratam de comida e outro de receitas.
Mas dois em um...
Bom, o livro traz o enredo do filme, a ficha técnica, comentários.
Um exemplo: "Como Água para
Chocolate". Conta a história, situa a
escritora do livro e o diretor do filme
(que eram casados e se separaram
depois da experiência de fazerem
um filme juntos. E quem não se separaria?). O filme, como um marco
do cinema mexicano, a sensibilidade
diante da rica mesa mexicana com
sua tríade de abóbora, feijão e milho,
as tensões que influem no comportamento da cozinheira e que mudam o gosto da sua comida. E, finalmente, as receitas. Gostei. Na verdade, deram tanta importância às receitas quanto ao texto dos filmes.
Fiquei esperando o fim de semana
chegar para correr à locadora, alugar
dois DVDs, assisti-los depois de lê-los e cozinhar. Esquecer os capítulos, talvez, misturar os filmes e as comidas e trabalhar fusion. O que há
de errado com um pato laqueado de
Pequim ("Comer, Beber e Viver")
acompanhado por um risoto de prosecco ("A Grande Noite") e a sobremesa de "Vatel -°Um Banquete para
o Rei"? E ainda indicam os vinhos.
As receitas são dos nossos melhores chefs e são suas especialidades.
Os autores, Ewald e Nilu, pegaram
um momento "Ratatouille" em matéria de arte, comida e bebida. A comida e o cinema, de repente, se encontraram, sendo a comida um tema tão cotidiano que passou despercebido por todos estes anos de amores, encontros e desencontros, caubóis, documentários, tragédias, detetives, mistérios. Agora a comida
perdeu a vergonha de aparecer.
Eu me lembro de que no colégio
de freiras elas não podiam comer na
nossa frente. Em um piquenique,
uma delas, muito jovem e linda, colheu uma ameixa e a comeu, tampando a boca com um lenço. Depois
se arrependeu toda, vermelha pelo
pecado. Tinha razão, a freira. Nada
mais sensual que uma ameixa madura escorrendo suco doce queixo
abaixo de uma virgem claustral.
Precisamos também prestar atenção a esse fenômeno que começou
nos anos 70, com Paul Bocuse arrancando o cozinheiro do fogão para lhe
dar status glamouroso de uma Liz
Taylor, ou de um Ringo, ou de Madonna. Pois os privilegiados das capas de revista destas últimas décadas não foram os pintores, os arquitetos, os músicos, os poetas. Para
grande assombro dos próprios cozinheiros, foram eles com suas toques
brancas os escolhidos da mídia. Salvos do porões e da vida pobre e dura
para a capa das revistas.
Agora que já tenho o livro, vamos
aos DVDs em uma tela gigante. Depois, enfrentar um fogão novinho
em folha e me pôr a cozinhar. Primeiro uma salada grega do Siffert
-ele é muito bom em molhos. Depois, um tagliatelli na manteiga em
ninho de parmesão do Hamilton
Mellão Júnior. E ainda um purê de
berinjelas do Carlos Siffert acompanhando um cordeiro. E de sobremesa, adivinhem, o doce de chocolate
do Siffert... (No livro temos todos os
bons chefs de São Paulo, estou escolhendo estes dois por amor maior).
E depois deste lauto jantar voltaria
aos filmes. Ficaria em dúvida quanto a "Tampopo" ou "O Cheiro de Papaia"... Valeu a experiência. Acho
que me converti. Ótimo. Dois em
um, sendo os dois muito bons.
ninahorta@uol.com.br
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