São Paulo, quinta-feira, 16 de agosto de 2007

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NINA HORTA

Momento "Ratatouille"

Fiquei esperando o fim de semana chegar para correr à locadora, alugar dois DVDs, assisti-los e cozinhar

O LIVRO se chama "O Cinema Vai à Mesa - Histórias e Receitas", de Rubens Ewald Filho e Nilu Lebert (ed. Melhoramentos; R$ 59, preço sugerido).
Sempre repito uma história que aconteceu no sítio. O caseiro chegou com uma farofa de fígado de peixe para mim. Empurrei o prato para meu marido, que me olhou com ares assassinos. Fingindo de inocente, perguntei: "Mas você adora farofa, adora fígado e adora peixe". Escandindo as sílabas, respondeu: "Adoro cada um deles, mas detesto farofa-de-fígado-de-peixe".
Este livro tinha o mesmo problema. Dois livros que me dariam muito prazer. Um sobre filmes que tratam de comida e outro de receitas. Mas dois em um...
Bom, o livro traz o enredo do filme, a ficha técnica, comentários. Um exemplo: "Como Água para Chocolate". Conta a história, situa a escritora do livro e o diretor do filme (que eram casados e se separaram depois da experiência de fazerem um filme juntos. E quem não se separaria?). O filme, como um marco do cinema mexicano, a sensibilidade diante da rica mesa mexicana com sua tríade de abóbora, feijão e milho, as tensões que influem no comportamento da cozinheira e que mudam o gosto da sua comida. E, finalmente, as receitas. Gostei. Na verdade, deram tanta importância às receitas quanto ao texto dos filmes.
Fiquei esperando o fim de semana chegar para correr à locadora, alugar dois DVDs, assisti-los depois de lê-los e cozinhar. Esquecer os capítulos, talvez, misturar os filmes e as comidas e trabalhar fusion. O que há de errado com um pato laqueado de Pequim ("Comer, Beber e Viver") acompanhado por um risoto de prosecco ("A Grande Noite") e a sobremesa de "Vatel -°Um Banquete para o Rei"? E ainda indicam os vinhos.
As receitas são dos nossos melhores chefs e são suas especialidades.
Os autores, Ewald e Nilu, pegaram um momento "Ratatouille" em matéria de arte, comida e bebida. A comida e o cinema, de repente, se encontraram, sendo a comida um tema tão cotidiano que passou despercebido por todos estes anos de amores, encontros e desencontros, caubóis, documentários, tragédias, detetives, mistérios. Agora a comida perdeu a vergonha de aparecer.
Eu me lembro de que no colégio de freiras elas não podiam comer na nossa frente. Em um piquenique, uma delas, muito jovem e linda, colheu uma ameixa e a comeu, tampando a boca com um lenço. Depois se arrependeu toda, vermelha pelo pecado. Tinha razão, a freira. Nada mais sensual que uma ameixa madura escorrendo suco doce queixo abaixo de uma virgem claustral.
Precisamos também prestar atenção a esse fenômeno que começou nos anos 70, com Paul Bocuse arrancando o cozinheiro do fogão para lhe dar status glamouroso de uma Liz Taylor, ou de um Ringo, ou de Madonna. Pois os privilegiados das capas de revista destas últimas décadas não foram os pintores, os arquitetos, os músicos, os poetas. Para grande assombro dos próprios cozinheiros, foram eles com suas toques brancas os escolhidos da mídia. Salvos do porões e da vida pobre e dura para a capa das revistas.
Agora que já tenho o livro, vamos aos DVDs em uma tela gigante. Depois, enfrentar um fogão novinho em folha e me pôr a cozinhar. Primeiro uma salada grega do Siffert -ele é muito bom em molhos. Depois, um tagliatelli na manteiga em ninho de parmesão do Hamilton Mellão Júnior. E ainda um purê de berinjelas do Carlos Siffert acompanhando um cordeiro. E de sobremesa, adivinhem, o doce de chocolate do Siffert... (No livro temos todos os bons chefs de São Paulo, estou escolhendo estes dois por amor maior).
E depois deste lauto jantar voltaria aos filmes. Ficaria em dúvida quanto a "Tampopo" ou "O Cheiro de Papaia"... Valeu a experiência. Acho que me converti. Ótimo. Dois em um, sendo os dois muito bons.


ninahorta@uol.com.br

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