|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"CHEFES E POETAS - O TEATRO DE LUIZ CARLOS CARDOSO"
Autor exalta maniqueísmo escrachado
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Na peça "Quarta Costela", um
funcionário exemplar, após
ser demitido injustamente e surpreender a mulher com o cunhado, sobe até um quarto de motel
para, da janela, "cuspir na humanidade". Em outra fábula, "Viva
Olegário", Diogênio, um burocrata padrão que por acaso entra em
um botequim, é confundido pelos
freqüentadores com Olegário, um
malandro inesquecível que sumiu
misteriosamente -até ser convencido das vantagens de se tornar Olegário.
Assim é o teatro de Luiz Carlos
Cardoso: variações em torno de
uma situação dramática única,
sustentadas por um diálogo ágil,
que têm o grande mérito de expor
personagens de classe média
-essa classe que por muito tempo esteve ausente do teatro brasileiro, banida pela esquerda, que
denunciava a condição dos miseráveis, e pela direita, que adulava
os pecados da elite.
Publicadas essas peças, junto a
outras três, o universo de Cardoso
pode atrair a atenção que merece.
"Chefes e Poetas", seu título geral,
dá uma boa idéia do seu bem-humorado maniqueísmo, de um escracho enternecido, por essa fauna de repartição pública que tenta
escapar ao tédio da burocracia
por um erotismo obsessivo, quase
adolescente, e que renuncia a
Marx em troca de uma promoção.
Partindo do realismo, chega-se
ao delírio por um acelerado acúmulo de qüiproquós, segundo a
receita de Feydeau. Seus personagens lutam para superar a condição de bonecos -e Dionísio/Olegário, inesquecível quando representado por Sérgio Mamberti em
1977, na versão para televisão de
Antunes Filho, atinge uma força
poética equivalente a de Segismundo, o protagonista de "A Vida É Sonho", de Calderón de la
Barca.
Flertando com Nelson Rodrigues e Pirandello, na introdução
do volume Cardoso reivindica o
estatuto de literatura para o texto
teatral. A posição é defensável
quando se trata de "Viva Olegário", que, só tendo conhecido
duas encenações, em 1977 e 1978,
merece muitas outras releituras
em cena. Deploravelmente, o que
garantiu visibilidade a seu autor
foi justamente seu texto mais fraco, "Swing", grande sucesso de bilheteria graças a Juca de Oliveira,
mas que resvala para a vulgaridade caça-níquel, o que acaba contagiando suas peças seguintes.
Com a publicação de "Chefes e
Poetas", em tempos de uma nova
geração de dramaturgos, como
Gero Camilo e Newton Moreno,
tomara que Luiz Carlos Cardoso
volte a ser celebrado pelo que tem
de melhor.
Chefes e Poetas - O Teatro de Luiz Carlos Cardoso
Autor: Luiz Carlos Cardoso
Editora: JSN
Quanto: R$ 35 (336 págs.)
Texto Anterior: "O Emblema da Amizade": Filósofo vira detetive em policial didático Próximo Texto: "Vida, Jogo e Morte de Lul Mazrek": Kadaré encontra a ficção pronta no cotidiano albanês Índice
|