São Paulo, domingo, 16 de outubro de 2005

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"BELÍSSIMA"

Para o autor da próxima novela das 21h da Globo, beleza é uma "mercadoria" e serve como "vantagem na vida"

Sílvio de Abreu troca tese pela emoção

COLUNISTA DA FOLHA

Autor de "Belíssima", o paulistano Sílvio de Abreu estreou na TV como ator, embora tenha se formado cenógrafo. Diz que sua "mestra" é Ivani Ribeiro, que escreveu quatro das novelas em que atuou. Gostava mais de ler do que interpretar os capítulos de Ivani.
Seu primeiro texto foi "Éramos Seis" (Tupi, 1977), com Rubens Ewald Filho, que lhe abriu as portas da Globo, onde estreou com "Pecado Rasgado" (1977/78).
Nos anos 80, Abreu emplacou uma bem-sucedida fórmula de comédia pastelão às 19h, com "Jogo da Vida" (1981), "Guerra dos Sexos" (1983) e o megassucesso "Cambalacho" (1986), que dava mais audiência do que a novela das oito ("Selva de Pedra"). Depois, dedicou-se a lançar novos autores (Carlos Lombardi, Maria Adelaide Amaral, Alcides Nogueira e João Emanuel Carneiro).
A seguir, trechos de entrevista concedida por Sílvio de Abreu.

RAZÃO X EMOÇÃO
A novela tem uma proposta, em primeiro lugar, que é divertir. Acho que, nessa diversão, nesse entretenimento, a gente pode colocar ruídos, alertas, idéias. Mas novela é mais baseada em emoção do que em razão. Quando você baseia uma história muito na razão e esquece a emoção, não consegue cativar o espectador.
A novela está muito mais focada na emoção porque ela atinge a maioria do público, as classes D e E, que é levado muito pela emoção e pouco pela razão. Um bom serviço ocorre quando a novela consegue, através da emoção, despertar a razão.
Não vou escrever uma novela com tese [da ditadura da beleza]. Será uma novela com emoção. Mas há uma mulher, Júlia [Glória Pires], que é pressionada pelo mito da beleza, o mito da sua mãe, que foi uma deusa da beleza, do sexo, de perfeição, que morreu, aparentemente, por culpa dela.
Ela foi criada pela avó, Bia Falcão [Fernanda Montenegro], uma mulher ambiciosa, que queria sair da classe média, casou com um homem medíocre e teve a sorte de ter uma filha linda.
Bia pegou essa filha linda e a moldou, a transformou num mito de beleza. Esse mito da beleza casa com um industrial, funda uma fábrica de lingerie, a Belíssima, e usa o mito para vender lingerie.
Quando essa mulher está no auge, tem uma filha de oito anos e espera outro filho, Pedro [Henri Castelli]. Então acontece um desastre de avião, meio inexplicável. Só sobrevivem a Júlia e o Pedro, que nasce durante o socorro.

DITADURA DA BELEZA
Bia Falcão fica com a incumbência de criar duas crianças ricas. Quer fazer de Júlia uma mulher igual à mãe. Só que a Júlia não tem as mesmas qualidades físicas que a mãe teve. Júlia vai para o oposto. Ela é uma mulher muito mais da razão. É inteligente, administra bem a empresa, mas não tem glamour. Foge da comparação com a mãe. O mito da beleza a sufoca.
Júlia vive num mundo de belos. E comanda isso muito bem. Nunca deixa a emoção tomar conta. Até que conhece um homem lindo [Marcello Antony], que ela não sabe que é operário da fábrica dela. Ela se apaixona loucamente por ele. Vai lutar por esse amor para poder provar para a avó que ela conquistou esse homem lindo. Constrói o seu mito da beleza.

FOLHETIM
Isso é o oposto do folhetim. No folhetim, seria assim: ela, operária e ele, o dono da indústria. Fazer o contrário cria situações interessantes. Eles vão casar. Ele não tem dinheiro para comprar terno, e ela paga. É uma situação nova.

MERCHANDISING
Eu faço novela, faço entretenimento. Não tenho nada contra merchandising social, mas desde que contribua para que a história continue sendo interessante.

DESIGUALDADE
Vou falar muito de desnível social. Estou fazendo uma novela sobre São Paulo, onde o desnível é muito grande. Vou mostrar também que beleza é uma mercadoria. É o caso do personagem do Marcello Antony e do Cauã Reymond [que será um michê]. O cara que tem a beleza já tem uma vantagem na vida.

SÃO PAULO
Você tem de escrever sobre aquilo que você conhece bem. Conheço bem não só a cidade de São Paulo, mas principalmente as pessoas que habitam a cidade.
"Belíssima" só poderia ser em São Paulo. Vou mostrar que essa cidade acolhe, porque foi feita por imigrantes, é cosmopolita.


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