São Paulo, domingo, 16 de outubro de 2005

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MÔNICA BERGAMO

A atriz roda a periferia da cidade com espetáculo em que encarna professora aposentada

Tônia chega aos CEUs

Fotos Ana Ottoni/Folha Imagem
"Consigo segurar meu pé, quer ver?", diz Tônia, em seu quarto de hotel


"É a Hebe?", perguntavam os moradores da Vila Atlântica, bairro da zona oeste de São Paulo, ao ver um Corsa branco parado numa viela. Adultos e crianças se amontoavam ao redor do veículo, tentando descobrir quem era aquela senhora loira no banco de trás. "Como vai, meu amor?", perguntou alguém na multidão. "Completamente perdida", respondeu a senhora.

Não, não era a Hebe. Era Tônia Carrero. A convite do prefeito José Serra, a diva do teatro peregrina há duas semanas pelos 21 Centros Educacionais Unificados (CEUs) da cidade com a peça "Chega de História!". Na tarde de quarta (12), tentava chegar à unidade Pêra Marmelo, no Jaraguá -mas nem o motorista da prefeitura acertava o caminho.

Duas horas antes, Tônia recebia a coluna em sua suíte num hotel cinco estrelas da avenida Luiz Carlos Berrini, a 35 km do CEU Pêra Marmelo. "Que invasão fotografar meu quarto", queixou-se, antes de autorizar os cliques. Não fossem os 13 pares de sapato acomodados num cantinho, talvez nem desse para perceber que ali se hospeda uma das mais glamourosas atrizes do país. Em cima do frigobar, duas garrafas de vinho Periquita, uma delas pela metade ("tomo dois copinhos toda noite") e uma banana ("como uma por dia, por causa do potássio"). Na gaveta da escrivaninha, cinco revistas de palavras cruzadas, seu hobby há 40 anos. "Ajuda a manter a memória."

Como cuida da forma física? Ao ouvir -mais uma vez- a pergunta, Tônia fica em silêncio, tira os sapatos e começa a andar de um lado para o outro. "Vamos lá", grita, convocando repórter e fotógrafa para uma aula de alongamentos, exercício que pratica três vezes por semana. "Devagar! Levanta e tenta de novo", dizia. "Joga a mão toda na direção da sola do pé! Ó aqui, ó. Olha a "véia" aqui", falava, enquanto dava um show de elasticidade. "Estou um pouco acima do peso", contava. Aos 83 anos, e 35 de dieta, ela hoje come sem restrições. "Quando acabam os prazeres da cama, chega a hora dos prazeres da mesa."

Poucas coisas a tiram do hotel, onde fica hospedada nos fins de semana, desde junho, quando veio do Rio ensaiar o espetáculo. Uma exceção aconteceu na terça (11), quando foi conhecer a Daslu. Saiu de lá com uma camiseta de R$ 80. "Vi um tênis de R$ 1.600", comentou, com ar de espanto. E o que achou da prisão de Eliana Tranchesi, dona da loja, acusada de sonegação fiscal? "Imagina! Ela não foi presa coisa nenhuma." Tônia desconfia que "aquilo foi publicidade da loja. Ela paga imposto, sim".

Acostumada aos holofotes há cinco décadas, ela não se acanha com quase nada. O que acha do presidente Lula, por exemplo? "Cheguei a ter admiração, apesar de não ter votado nele. Mas é o fim do mundo um chefe de Estado usar a palavra "urucubaca"." Alguns assuntos, no entanto, tiram a estrela do sério, como a falta de papéis para mulheres de sua idade. "Por que não tem papel para mim? Porque estou velha", responde, brava.

Já no carro, em direção ao CEU, Tônia reclama da pergunta feita sobre seu peso. "Como você teve coragem?" A atriz já se queixou que "antigamente, tínhamos tudo, portas abertas". Hoje, a vida de artista é dura, "uma dificuldade para conseguir patrocínio". Neste dia, cortou a conversa sobre dinheiro com uma frase: "Vivo bem com R$ 30 [mil] por mês".

Às 18h15, depois de mais quatro paradas em busca de informação, o carro finalmente chega ao CEU. Irritada, a atriz muda radicalmente de humor quando aparecem fãs em busca de autógrafos. "Linda!", "Divina", "Maravilhosa", dizem. No camarim, uma ajeitada mesa com biscoitos, sanduíches, bolo e refrigerante a aguarda. A recepção confirma a avaliação feita por Tônia: "Eles são "pobrinhos", mas recebem muito bem".

A atriz faz ela mesma cabelo e maquiagem. Fotos no camarim, só depois de pronta. Enquanto isso, 450 pessoas -lotação esgotada- esperavam numa fila que dava voltas pelo pátio da escola. A peça era proibida para menores de 12 anos. Mesmo assim, várias crianças, algumas de colo, estavam na platéia. "Outro dia um bebê começou a gritar no meio da apresentação", lembrava Tônia, no camarim, já com o figurino de Dona Filó, a professora aposentada que vive no espetáculo. O jeito foi parar tudo e pedir que o público ignorasse o barulho. "Muitas mães não têm como pagar uma babá. Perderiam a peça se não pudessem trazer os filhos." Depois da peça, Tônia recebe aplausos e fala bem de Serra. Ela costuma esticar até um bar na rua Haddock Lobo, nos Jardins. Naquele dia, feriado, que pena! O lugar estava fechado e Tônia voltou mais cedo para o hotel.


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