São Paulo, sexta-feira, 16 de outubro de 2009

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CINEMA/ESTREIAS

Crítica/"O Desinformante"

Soderbergh faz biografia com boa dose de ironia

Matt Damon interpreta informante do governo sobre a indústria agrícola

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Na diversificada filmografia do diretor Steven Soderbergh, o executivo interpretado por Matt Damon em "O Desinformante" tem parentesco com os personagens-título de "Erin Brockovich - Uma Mulher de Talento" (2000) e "Che" (2008): a chancela, hoje quase um salvo-conduto, da inspiração em fatos verídicos. Desta vez, no entanto, o registro se altera ligeiramente.
Enquanto os filmes anteriores vendiam ao espectador a recriação semidocumental dos fatos com base nas chaves "sérias" do drama, Soderbergh destila aqui mais ironia, quase satirizando, em comédia de humor negro, o próprio formato de reconstituição biográfica.
A presença de Damon reforça a impressão de encontro entre o humor cínico das peripécias de "Onze Homens e um Segredo" (2001), bem como de suas continuações, e o tratamento mais naturalista que, na carreira de Soderbergh, alcança também filmes como "Sexo, Mentiras e Videotape" (1989) e "Traffic" (2000).
A certa altura, o protagonista se identifica como "agente 0014". O interlocutor pergunta o que isso significa e ele explica, com ares de quem acredita no que fala: "Duas vezes mais esperto do que 007". Que Damon venha do êxito da série de ação com o agente Bourne é outra ironia em torno de "O Desinformante" -cujo roteirista, Scott Z. Burns, assina "O Ultimato Bourne" (2007).
No início, como sugere a proximidade entre os títulos brasileiros, estamos em universo parecido com o de "O Informante" (1999), de Michael Mann, também baseado em episódio verídico: o de um executivo (Russell Crowe) que fornece informações vitais para processos contra a indústria tabagista.
Damon interpreta Mark Whitacre, que fez carreira em uma corporação de negócios agrícolas. Representante da classe média ascendente, ele tem mulher, filhos e sonha com o dia em que terminará de erguer uma loja na pequena cidade onde vive, em Illinois. Tudo indica que chegaria lá, não cometesse um falsete no início dos anos 90.
Em conversa com um agente do FBI -a polícia federal dos EUA- que investiga a empresa, ele dá com a língua nos dentes e fala sobre mecanismos de formação de preços pelos integrantes do cartel internacional do setor. A partir daí, tratado pelo FBI como um colaborador classe A, ele se torna informante do governo.
O problema aparente de Whitacre, deslumbrado com o papel de "espião" que se tornará herói por desmascarar grandes crimes corporativos dos quais somos todos vítimas, é não lidar de modo sensato com a situação. Para ele, acender uma vela para Deus e outra para o Diabo é mera questão de ter os fósforos necessários.
Transformada por Soderbergh em espécie de chanchada sobre meandros do capitalismo em contraste com os da mente humana, a história de Whitacre se desdobra em situações cada vez mais incríveis, inacreditáveis mesmo -por mais que o espectador tenha sido alertado de que foi tudo verdade.


O DESINFORMANTE

Direção: Steven Soderbergh
Com: Matt Damon e Melanie Lynskey
Produção: EUA, 2009
Onde: estreia no Bristol, Cine TAM e circuito
Classificação: não recomendado a menores de dez anos
Avaliação: bom




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