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CINEMA/ESTREIAS
Crítica/"O Desinformante"
Soderbergh faz biografia com boa dose de ironia
Matt Damon interpreta informante
do governo sobre a indústria agrícola
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
Na diversificada filmografia do diretor Steven Soderbergh, o executivo interpretado por Matt
Damon em "O Desinformante"
tem parentesco com os personagens-título de "Erin Brockovich - Uma Mulher de Talento"
(2000) e "Che" (2008): a chancela, hoje quase um salvo-conduto, da inspiração em fatos verídicos.
Desta vez, no entanto, o registro se altera ligeiramente.
Enquanto os filmes anteriores
vendiam ao espectador a recriação semidocumental dos
fatos com base nas chaves "sérias" do drama, Soderbergh
destila aqui mais ironia, quase
satirizando, em comédia de humor negro, o próprio formato
de reconstituição biográfica.
A presença de Damon reforça a impressão de encontro entre o humor cínico das peripécias de "Onze Homens e um Segredo" (2001), bem como de
suas continuações, e o tratamento mais naturalista que, na
carreira de Soderbergh, alcança
também filmes como "Sexo,
Mentiras e Videotape" (1989) e
"Traffic" (2000).
A certa altura, o protagonista
se identifica como "agente
0014". O interlocutor pergunta
o que isso significa e ele explica,
com ares de quem acredita no
que fala: "Duas vezes mais esperto do que 007". Que Damon
venha do êxito da série de ação
com o agente Bourne é outra
ironia em torno de "O Desinformante" -cujo roteirista,
Scott Z. Burns, assina "O Ultimato Bourne" (2007).
No início, como sugere a proximidade entre os títulos brasileiros, estamos em universo parecido com o de "O Informante" (1999), de Michael Mann,
também baseado em episódio
verídico: o de um executivo
(Russell Crowe) que fornece
informações vitais para processos contra a indústria tabagista.
Damon interpreta Mark
Whitacre, que fez carreira em
uma corporação de negócios
agrícolas. Representante da
classe média ascendente, ele
tem mulher, filhos e sonha com
o dia em que terminará de erguer uma loja na pequena cidade onde vive, em Illinois. Tudo
indica que chegaria lá, não cometesse um falsete no início
dos anos 90.
Em conversa com um agente
do FBI -a polícia federal dos
EUA- que investiga a empresa,
ele dá com a língua nos dentes e
fala sobre mecanismos de formação de preços pelos integrantes do cartel internacional
do setor. A partir daí, tratado
pelo FBI como um colaborador
classe A, ele se torna informante do governo.
O problema aparente de
Whitacre, deslumbrado com o
papel de "espião" que se tornará herói por desmascarar grandes crimes corporativos dos
quais somos todos vítimas, é
não lidar de modo sensato com
a situação. Para ele, acender
uma vela para Deus e outra para o Diabo é mera questão de
ter os fósforos necessários.
Transformada por Soderbergh em espécie de chanchada
sobre meandros do capitalismo
em contraste com os da mente
humana, a história de Whitacre
se desdobra em situações cada
vez mais incríveis, inacreditáveis mesmo -por mais que o
espectador tenha sido alertado
de que foi tudo verdade.
O DESINFORMANTE
Direção: Steven Soderbergh
Com: Matt Damon e Melanie Lynskey
Produção: EUA, 2009
Onde: estreia no Bristol, Cine TAM e
circuito
Classificação: não recomendado a menores de dez anos
Avaliação: bom
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