|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
"Distrito 9" é "X-tudo" da ficção científica
OTAVIO FRIAS FILHO
DIRETOR DE REDAÇÃO
A ficção científica é um gênero literário quase sempre pessimista. O avanço da técnica (resultado da pretensão humana
de se igualar a Deus) termina
em ruína e arrependimento.
Apesar dos esforços do herói,
tudo o que ele consegue é criar
um halo provisório de humanidade cercado pela desumanização tecnológica que o engolfa.
Essa marca do gênero foi transportada para o cinema e a história em quadrinhos.
"Distrito 9", do sul-africano
Neill Blomkamp, não é exceção. Uma gigantesca espaçonave alienígena "naufraga" na
Terra, pairando, avariada, sobre a cidade de Johannesburgo.
Depois de tentar contato em
vão, as autoridades decidem arrombar a nave, onde encontram milhares de extraterrestres à míngua, doentes e famintos. Surge um problema de natureza alfandegária. A solução é
alojar os visitantes incômodos
numa espécie de gueto que faz
lembrar o "apartheid", regime
que segregava negros na África
do Sul até 1994.
A narrativa parece se encaminhar para o convencional, no
que seria uma reedição de um
filme dos anos 1980 que depois
deu origem a um seriado de TV,
"Alien Nation". Mas a colônia
alienígena cresce, é necessário
removê-la para outro local. Durante a evacuação do gueto, o
gerente da multinacional encarregada do serviço entra em
contato com uma misteriosa
substância manipulada pelos
ETs e passa a apresentar sintomas de uma fantástica mutação: de humano ele começa a se
transformar num "prawn"
("camarão"), apelido dado aos
alienígenas devido a sua desagradável aparência crustácea.
A história é apresentada sob
a forma de um falso documentário, seu ritmo frenético se
acentua de abuso em abuso,
formando uma verdadeira orgia de peripécias grotescas e
efeitos escatológicos.
É como um "X-tudo" feito
com todos os mitos da ficção
científica -Frankenstein, o
"ET" de Spielberg, o "Robocop"
de Paul Verhoeven, o "Fantasma da Ópera", a multinacional
desumana de "Blade Runner",
até mesmo os "yahoos" de Jonathan Swift!- empacotados
numa espiral rocambolesca
que somente ganha interesse
conforme se torna mais despropositada e excessiva.
A humanização de Wikus, o
gerente da multinacional, que
só acontece à medida que ele se
torna uma aberração genética,
dá ao ator Sharlto Copley a
oportunidade de criar sua versão inesquecível da "banalidade do mal".
Falsamente acusado de manter relação sexual com uma
"prawn", daí sua enigmática
mutação, ele é perseguido pela
polícia, aliando-se a um cientista ET que sabe como consertar
a nave encalhada. Mas o filme
ainda se permite reviravoltas,
antes de deixar o enredo em
suspenso para a indefectível
continuação que virá.
Apesar de sua "mensagem"
um tanto rasa e explícita -o
Outro somos nós mesmos-,
"Distrito 9" é um pastiche
monstruosamente cômico.
A produção não deixa oculto
que este é ou pretende ser um
filme do Terceiro Mundo, com
suas misérias e brutalidades.
Depois de tanta ficção científica asséptica e bem-comportada, é revigorante ver este filme
"sujo", precário apenas nas
aparências, corajosamente
"kitsch".
Texto Anterior: Cinema/Estreias/Crítica/"Distrito 9": Filme de ET deixa reflexão política de lado, mas é eficaz Próximo Texto: Crítica: "Cougar Town" aposta em vida amorosa de quarentões Índice
|