São Paulo, sexta-feira, 16 de outubro de 2009

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ANÁLISE

"Distrito 9" é "X-tudo" da ficção científica

OTAVIO FRIAS FILHO
DIRETOR DE REDAÇÃO

A ficção científica é um gênero literário quase sempre pessimista. O avanço da técnica (resultado da pretensão humana de se igualar a Deus) termina em ruína e arrependimento.
Apesar dos esforços do herói, tudo o que ele consegue é criar um halo provisório de humanidade cercado pela desumanização tecnológica que o engolfa. Essa marca do gênero foi transportada para o cinema e a história em quadrinhos.
"Distrito 9", do sul-africano Neill Blomkamp, não é exceção. Uma gigantesca espaçonave alienígena "naufraga" na Terra, pairando, avariada, sobre a cidade de Johannesburgo. Depois de tentar contato em vão, as autoridades decidem arrombar a nave, onde encontram milhares de extraterrestres à míngua, doentes e famintos. Surge um problema de natureza alfandegária. A solução é alojar os visitantes incômodos numa espécie de gueto que faz lembrar o "apartheid", regime que segregava negros na África do Sul até 1994.
A narrativa parece se encaminhar para o convencional, no que seria uma reedição de um filme dos anos 1980 que depois deu origem a um seriado de TV, "Alien Nation". Mas a colônia alienígena cresce, é necessário removê-la para outro local. Durante a evacuação do gueto, o gerente da multinacional encarregada do serviço entra em contato com uma misteriosa substância manipulada pelos ETs e passa a apresentar sintomas de uma fantástica mutação: de humano ele começa a se transformar num "prawn" ("camarão"), apelido dado aos alienígenas devido a sua desagradável aparência crustácea.
A história é apresentada sob a forma de um falso documentário, seu ritmo frenético se acentua de abuso em abuso, formando uma verdadeira orgia de peripécias grotescas e efeitos escatológicos.
É como um "X-tudo" feito com todos os mitos da ficção científica -Frankenstein, o "ET" de Spielberg, o "Robocop" de Paul Verhoeven, o "Fantasma da Ópera", a multinacional desumana de "Blade Runner", até mesmo os "yahoos" de Jonathan Swift!- empacotados numa espiral rocambolesca que somente ganha interesse conforme se torna mais despropositada e excessiva.
A humanização de Wikus, o gerente da multinacional, que só acontece à medida que ele se torna uma aberração genética, dá ao ator Sharlto Copley a oportunidade de criar sua versão inesquecível da "banalidade do mal".
Falsamente acusado de manter relação sexual com uma "prawn", daí sua enigmática mutação, ele é perseguido pela polícia, aliando-se a um cientista ET que sabe como consertar a nave encalhada. Mas o filme ainda se permite reviravoltas, antes de deixar o enredo em suspenso para a indefectível continuação que virá.
Apesar de sua "mensagem" um tanto rasa e explícita -o Outro somos nós mesmos-, "Distrito 9" é um pastiche monstruosamente cômico.
A produção não deixa oculto que este é ou pretende ser um filme do Terceiro Mundo, com suas misérias e brutalidades. Depois de tanta ficção científica asséptica e bem-comportada, é revigorante ver este filme "sujo", precário apenas nas aparências, corajosamente "kitsch".


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