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GASTRONOMIA
Fui à santa Tereza D'Ávila,
mas ela não me ouviu
NINA HORTA
Colunista da Folha
Há anos que queria ler Tereza
D'Ávila, a fundadora do primeiro
carmelo, a escritora, a pedagoga, a
poeta, a santa (1515-1582). Neste
fim-de-semana encontrei para
comprar a obra completa, um calhamaço de 1.800 páginas das Edições Loyola.
Fui me isolar numa "ilha deserta" com certeza absoluta e ignorância crassa que sua espiritualidade se expressaria em imagens e
linguagem de comida, muito próprias a esta página. Fome de Deus,
doce leite que nutre sabor de mel.
Errei. Tereza D'Ávila não é brinquedo. Difícil de ser lida no meio
da superfluidade do século 20,
muita areia para nosso caminhão.
É uma louca, uma fortaleza, uma
força descabelada, uma cachoeira
facetada, um poço de LSD, uma viciada em Deus. Não quer saber do
mundo, quer chegar ao total desprendimento. Precisa e ponto.
Uma vez ou outra considera o divino como alimento. "De quantas
maneiras podemos considerar o
nosso Deus! Que variedade de
manjares podemos fazer dele. Ele é
maná que tem o gosto de acordo
com o que queremos que tenha."
E no meio das palavras, de tentar
palavras de êxtase, de gritos, de
desmaios, de folia de amor, percebe-se que no convento há uma
hortinha onde as monjas plantam
pepinos e colhem suas couves.
Agradece em carta -e que boas
e políticas e singelas são suas cartas- uma manteiga ótima que recebeu e da qual faz bom proveito. E
louva também os marmelos ganhos, bonitos, bons para as grandes caixas de marmelada.
Tereza D'Ávila não comia carne,
obedecia junto à sua ordem o jejum de oito meses, na época em
que o jejum era fundamental ao
modelo de santidade feminina. Era
na oração, na eucaristia, no corpo
e sangue de Cristo que podiam se
fartar.
Santa Tereza não dormia sem antes vomitar Anorexia, Mirabilis, o
controle do apetite ligado à piedade e à crença. Santa Tereza, entregue a Deus, não se preocupa com o
pão de cada dia, como nós. Sabe
que ele virá pela mão do amante.
Quer beijar a Deus na boca e nutrir-se no seu peito.
Leitores, repito, errei. Amém.
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