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CRÍTICA
Cineasta se afasta do bizarro e realiza filme humano e intenso
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
Após a exibição especial de "Carne Trêmula" no último Festival de
Gramado, em agosto passado, vários críticos saíram do cinema com
lágrimas nos olhos.
Uns garantiam que era por motivos "estritamente cinematográficos" ("Não é todo dia que se vê cinema de verdade"), outros culparam o clima volúvel de Gramado
("Não há quem não fique resfriado"), outros ainda revelaram "saudades de Madri".
Confesso que chorei por todos
esses motivos e mais um: a intensa,
quase dolorosa humanidade dos
personagens de Pedro Almodóvar.
Como em "Áta-me" e "A Flor do
Meu Segredo", o entrecho de "Carne Trêmula" (inspirado livremente em livro de Ruth Rendell) é, sem
nenhuma dúvida, o de um melodrama.
O jovem delinquente Victor (Liberto Rabal) invade o apartamento
de Elena (Francesca Neri), a bela e
drogada filha do cônsul italiano,
com a qual ele tinha transado numa festa de embalo, e é surpreendido pela polícia.
Na confusão, o policial David
(Javier Bardem) é baleado na coluna, e Victor vai para a cadeia.
Passam-se dois anos. Victor sai
da prisão e descobre que Elena está
casada com David, agora um astro
do basquete nas Olimpíadas de Paraplégicos de Barcelona. Inconformado, Victor vai procurá-la e instaura um trágico e sangrento triângulo amoroso.
O filme, aliás, já começa em sangue. A primeira sequência, uma
das mais lindas do cinema recente,
mostra o nascimento de Victor
num ônibus vazio, numa Madri
igualmente vazia, numa noite do
início dos anos 70, ou seja, em plena ditadura franquista.
Quem viu a cena jamais esquecerá o momento em que a mulher
que ajuda a mãe de Victor no parto
levanta o bebê até a janela do ônibus e lhe diz: "Mira. Mira Madrid".
A partir daí, Almodóvar constrói
um drama denso e concentrado,
distante da dispersão (deliciosa,
embora) de seus primeiros filmes.
Claro que ainda estão presentes o
humor iconoclasta, a trilha sonora
cafona, a cenografia extravagante
(bastante atenuada), um ou outro
personagem estranho.
Mas não é mais o bizarro que dá o
tom, e sim o humano, demasiado
humano, de cada um.
Os diálogos de Almodóvar estão
cada vez mais enxutos; o ritmo, cada vez mais cerrado; os planos, sóbrios, mas vibrantes e carregados
de significação. Não se joga mais
conversa -nem imagem- fora.
Nesse seu processo de depuração
o cineasta espanhol parece ter encontrado um parceiro perfeito no
diretor de fotografia brasileiro Affonso Beato, que trabalha com ele
desde "A Flor do Meu Segredo".
A utilização da luz e das cores para efeitos dramáticos e narrativos
atinge em "Carne Trêmula" um
grau dificilmente superável.
Por fim, cabe destacar o "faro" de
Almodóvar para escalar os atores
certos nos lugares certos.
Liberto Rabal é uma espécie de
Antonio Banderas antes da fama e
da afetação.
Javier Bardem, um dos rostos
mais expressivos do cinema atual,
transmite com perfeição a sensação de uma energia contida e prestes a explodir.
Francesca Neri, linda como sempre, pode mostrar aqui a extensão
de seus recursos, compondo uma
personagem quase bíblica, que se
santifica duas vezes ao longo do filme -a primeira pela compaixão, a
segunda pelo desejo.
No universo de Pedro Almodóvar, não há contradição entre esses
dois termos.
²
Filme: Carne Trêmula
Produção: Espanha, 1997
Direção: Pedro Almodóvar
Com: Liberto Rabal, Javier Bardem,
Francesca Neri
Quando: hoje, às 23h, no Maksoud Plaza (al.
Campinas, 150, tel. 011/253-4411)
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