São Paulo, sexta, 16 de outubro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

REESTRÉIA
"Ébrio' dialoga com público

ALFREDO STERNHEIM
especial para a Folha

Em meio aos oito filmes brasileiros lançados em 1946, "O Ébrio" foi o maior sucesso não só naquele ano, mas em outros seguidos, superando a renda obtida por muitas produções estrangeiras. Para atender à demanda, foram necessárias cerca de 500 cópias.
A grande bilheteria e certas críticas feitas então sob a ótica paternalista que ainda existe em relação ao filme nacional transformaram este melodrama em carro-chefe para a árdua luta de nossos cineastas por maior espaço no mercado.
Não é difícil compreender a razão do imenso êxito popular de "O Ébrio". Na época, o grande público buscava no cinema aquela emoção piegas que, hoje, é oferecida pela telenovela. Daí a comunicação fácil da história escrita e interpretada por Vicente Celestino, então consagrado como cantor no rádio.
Por isso, seu antológico momento no filme deu-se quando o protagonista explicava porque se tornou alcoólatra. Surgia uma interação quando boa parte da platéia, que já conhecia a canção ou havia visto o filme antes, também cantava.
Celestino representa Gilberto Silva, homem que sai de uma fase decadente e encontra o sucesso e a aparente felicidade depois de ficar rico cantando no rádio. Ele realiza seu sonho de tornar-se médico e casa-se com a enfermeira Marieta (Alice Archambeau).
Mas, apesar de sua generosidade, Gilberto não escapa da ganância de seus parentes. Um de seus primos, José, torna-se amante de Marieta e arma uma intriga que sugere adultério por parte do marido. Este, ao se ver abandonado pela mulher, passa a se embriagar.
Restaurado com um resultado irregular a partir da única cópia remanescente, "O Ébrio" volta oferecendo mais aspectos anacrônicos do que se esperava. Seu envelhecimento não decorre apenas do preto-e-branco ou das atuações com aquela impostação de voz ligeiramente lusitana, típica dos atores teatrais da época. Nem do humor quase sempre mal inserido, apesar da presença espontânea de Walter D'Avila como o primo Rego.
Com pouco mais de duas horas, o filme perdeu em fluência devido à direção insegura de Gilda de Abreu, estreando nessa área. Atriz e mulher de Celestino, parece que ela se impôs ao produtor Adhemar Gonzaga quando ele decidiu transpor para a tela a canção e a peça "O Ébrio". Aliás, filmado em 1945, o mesmo ano em que surgiu "Farrapo Humano", de Billy Wilder, drama sobre alcoolismo que deu o Oscar de melhor ator à Ray Milland.
Coincidência ou não, esta significativa produção da Cinédia é uma prova contundente da natural preocupação que existia em nosso cinema pelo diálogo com o público e que foi alcançado de forma notável. Seria bom que essa preocupação pelo consumo popular voltasse a inquietar os diretores que agora contam com benesses inexistentes para pioneiros como Gonzaga.
²

Filme: O Ébrio Produção: Brasil, 1946 Direção: Gilda de Abreu Com: Vicente Celestino Quando: a partir de hoje, no Belas Artes-Oscar Niemeyer


Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.