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REESTRÉIA
"Ébrio' dialoga com público
ALFREDO STERNHEIM
especial para a Folha
Em meio aos oito filmes brasileiros lançados em 1946, "O Ébrio"
foi o maior sucesso não só naquele
ano, mas em outros seguidos, superando a renda obtida por muitas
produções estrangeiras. Para atender à demanda, foram necessárias
cerca de 500 cópias.
A grande bilheteria e certas críticas feitas então sob a ótica paternalista que ainda existe em relação ao
filme nacional transformaram este
melodrama em carro-chefe para a
árdua luta de nossos cineastas por
maior espaço no mercado.
Não é difícil compreender a razão do imenso êxito popular de "O
Ébrio". Na época, o grande público
buscava no cinema aquela emoção
piegas que, hoje, é oferecida pela
telenovela. Daí a comunicação fácil da história escrita e interpretada
por Vicente Celestino, então consagrado como cantor no rádio.
Por isso, seu antológico momento no filme deu-se quando o protagonista explicava porque se tornou
alcoólatra. Surgia uma interação
quando boa parte da platéia, que já
conhecia a canção ou havia visto o
filme antes, também cantava.
Celestino representa Gilberto Silva, homem que sai de uma fase decadente e encontra o sucesso e a
aparente felicidade depois de ficar
rico cantando no rádio. Ele realiza
seu sonho de tornar-se médico e
casa-se com a enfermeira Marieta
(Alice Archambeau).
Mas, apesar de sua generosidade,
Gilberto não escapa da ganância de
seus parentes. Um de seus primos,
José, torna-se amante de Marieta e
arma uma intriga que sugere adultério por parte do marido. Este, ao
se ver abandonado pela mulher,
passa a se embriagar.
Restaurado com um resultado irregular a partir da única cópia remanescente, "O Ébrio" volta oferecendo mais aspectos anacrônicos
do que se esperava. Seu envelhecimento não decorre apenas do preto-e-branco ou das atuações com
aquela impostação de voz ligeiramente lusitana, típica dos atores
teatrais da época. Nem do humor
quase sempre mal inserido, apesar
da presença espontânea de Walter
D'Avila como o primo Rego.
Com pouco mais de duas horas, o
filme perdeu em fluência devido à
direção insegura de Gilda de
Abreu, estreando nessa área. Atriz
e mulher de Celestino, parece que
ela se impôs ao produtor Adhemar
Gonzaga quando ele decidiu transpor para a tela a canção e a peça "O
Ébrio". Aliás, filmado em 1945, o
mesmo ano em que surgiu "Farrapo Humano", de Billy Wilder, drama sobre alcoolismo que deu o Oscar de melhor ator à Ray Milland.
Coincidência ou não, esta significativa produção da Cinédia é uma
prova contundente da natural
preocupação que existia em nosso
cinema pelo diálogo com o público
e que foi alcançado de forma notável. Seria bom que essa preocupação pelo consumo popular voltasse
a inquietar os diretores que agora
contam com benesses inexistentes
para pioneiros como Gonzaga.
²
Filme: O Ébrio
Produção: Brasil, 1946
Direção: Gilda de Abreu
Com: Vicente Celestino
Quando: a partir de hoje, no Belas Artes-Oscar Niemeyer
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