São Paulo, terça-feira, 16 de dezembro de 2008

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Catálogo revela histórias de filmagens

Bertolucci diz que quis "matar" seu mestre Godard em "O Conformista'

Publicação também traz detalhes da relação entre cineasta italiano e Marlon Brando, protagonista de "O Último Tango em Paris"


DO CRÍTICO DA FOLHA

De acordo com Bernardo Bertolucci, "O Conformista" (1970) é "a história minha e de (Jean-Luc) Godard".
"Quando dei ao professor Quadri [personagem de Enzo Tarascio] o número do telefone e o endereço de Godard, o fiz de brincadeira, mas depois pensei: "Bom, talvez isso tudo tenha algum significado... Eu sou Marcelo [personagem de Jean-Louis Trintignant] e faço filmes fascistas e quero matar Godard, que é um revolucionário e que foi meu mestre"."
A auto-interpretação psicanalítica está entre os textos do catálogo organizado por Joel Pizzini e Vera Haddad para a retrospectiva "Estratégia do Sonho - O Primeiro Cinema de Bertolucci", que será vendido por R$ 5 no CCBB e reúne trechos de livros publicados no Brasil ao lado de material inédito, como uma entrevista do cineasta a Gianluca Scarpellino em 2005, em Roma.
Em um dos depoimentos selecionados, Marlon Brando fala do primeiro encontro com Bertolucci, em Paris, para discutir "O Último Tango...". "Fiquei a observá-lo por não sei quantos minutos, sem falar nada", diz o ator. "Talvez eu quisesse sentir se era possível estabelecer com ele um relacionamento instintivo. Me pareceu que sim."
Bertolucci, por sua vez, fala de Brando. "Quando terminamos de filmar, ele me disse: "Nunca vou fazer um filme como esse de novo. Eu não gosto muito de atuar mesmo, mas isso foi muito pior. Do começo ao fim me senti violentado. Detalhes íntimos sobre mim, sobre minha vida, até sobre meus filhos, foram arrancados de mim e expostos para o mundo'".
"O Último Tango em Paris" (1972) pertence ao segundo bloco do "primeiro Bertolucci", o da maturidade e da consagração internacional, inaugurado pelos dois longas que lançou em 1970 - "A Estratégia da Aranha", inspirado em conto de Jorge Luis Borges, e "O Conformista", baseado em romance de Alberto Moravia e indicado ao Oscar de roteiro adaptado - e que inclui também a superprodução " 1900" (1976) e "La Luna" (1979).
O primeiríssimo Bertolucci corresponde à fase menos conhecida até mesmo para muitos de seus fãs, a começar por "A Morte" (1962), projeto herdado de um de seus mestres, o bolonhês Pier Paolo Pasolini, de quem havia sido assistente no longa "Accattone - Desajuste Social" (1961).
A reelaboração de elementos autobiográficos está na pauta de "Antes da Revolução" (1964), que antecipa os conflitos ideológicos do Maio de 1968, e "Partner" (1968), que os reflete. Entre um e outro, Bertolucci realizou o documentário "O Caminho do Petróleo" (1967), cujo didatismo engajado, de esquerda, permite que se compreenda melhor a crise do petróleo nos anos 70.
"A transformação do destino em inconsciente diz respeito à relação entre sexualidade e política", afirma Bertolucci em texto do catálogo. "Acredito que a descoberta mais importante que fiz depois do Maio de 68 foi perceber que eu queria que a revolução ajudasse não aos pobres, mas a mim mesmo." (SÉRGIO RIZZO)


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