São Paulo, sábado, 17 de janeiro de 2004

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"UTOPÍSTICA"

Obra de sociólogo, discípulo de Fernand Braudel, analisa necessidade do Estado forte para capitalistas

Immanuel Wallerstein redefine cidadania em tempos neoliberais

GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Discípulo do notável historiador Fernand Braudel, o sociólogo Immanuel Wallerstein escreveu "Utopística - As Decisões Históricas do Século 21", que interessa particularmente a nós, brasileiros, que estamos acostumados a repetir ou a requentar a marmita feita alhures, principalmente na Europa e nos EUA.
Hoje a palavra da moda é "cidadania", conceito burguês que foi colocado em pauta pela Revolução Francesa: toda nação tem obrigação de fornecer direitos participativos iguais para todos os homens.
O problema é que a existência de cidadania pressupõe um Estado vigoroso e a nação soberana. O caminho da cidadania não leva a nada se não houver soberania nacional. Escreve o autor: "A cidadania foi inventada como um conceito de inclusão do povo nos processos políticos. Mas aquilo que inclui também exclui. A cidadania confere privilégios, e os privilégios são protegidos quando não incluem a todos".
Muita gente que fala por aí em cidadania acredita no entanto que o conceito de Estado-nação já era. Acontece que no século 21 há Estados poderosos com supercidadania, enquanto outros Estados, fracos e derruídos, não possuem cidadania alguma. É aquilo que Braudel denomina de "zonas opacas" do capitalismo.
O sociólogo Wallerstein rema contra a maré neoliberal quando assevera que os produtores capitalistas precisam mais do Estado que os próprios trabalhadores. Segundo ele, não tem o menor fundamento supor que a globalização das grandes empresas transnacionais pode evitar os Estados, assim como é falsa a idéia de que as corporações transnacionais querem Estados fracos. Essas empresas não conseguem sobreviver sem estruturas estatais fortes, principalmente nos núcleos centrais do capitalismo. "Estados fortes são sua garantia, seu sangue e o elemento crucial na criação de seus grandes lucros", no dizer de Wallerstein.
O curioso nesse processo é que as máfias contemporâneas, empenhadas em obter lucros exorbitantes fora das normas legais e dos impostos, estão interessadas em solapar a força dos mecanismos estatais.
Do jeito que o mundo anda neste século 21, dividido entre pouquíssimos ricos e muitos pobres e miseráveis, a tendência inevitável é que os empresários capitalistas terão de se preocupar com a redução de seus lucros. E mais: os empresários capitalistas terão de viver com a pulga atrás da orelha por causa da insegurança pessoal, e não apenas aqueles que sentem volúpia em ostentar riqueza.
Hoje em dia é um alto risco ser banqueiro na Rússia, na Colômbia e mesmo no Canadá e na Dinamarca. Os ricos privilegiados que não estiverem informados dessa situação irão se dar mal.
A previsão do autor, dizendo-se realista, mas não pessimista, é que a atitude "fundamentalista" vai se espalhar cada vez mais como uma "rejeição teórica da modernidade ocidental e do ethos capitalista".


Utopística
   
Autor: Immanuel Wallerstein
Editora: Vozes
Quanto: R$ 18 (118 págs)

Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de "A Salvação da Lavoura" (ed. Casa Amarela).



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