São Paulo, quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

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MÚSICA

Crítica

Álbum traz gravações históricas de Fournier

Grande instrumentista do século 20, francês tem recital de 1958 lançado em CD

SIDNEY MOLINA
CRÍTICO DA FOLHA

Na primeira parte, "Sonata" op.99 de Brahms (1833-1897) e "Sonata" op.8 do compositor húngaro Zoltan Kodaly (1882-1967); na segunda parte, "Sonata" para violoncelo e piano de Debussy (1862-1918) e "Variações sobre um Tema Rococó", de Tchaikovsky (1840-1893).
Esse foi o programa apresentado pelo violoncelista francês Pierre Fournier (1906-1986) em seu recital de estreia no Festival de Salzburgo, no dia 3 de agosto de 1958, e que é agora lançado em CD.
Fournier é um dos grandes instrumentistas do século 20 e, ao lado de Paul Tortelier (1914-1990) - pai de Yan Pascal Tortelier, atual regente titular da Osesp-, o principal nome da escola de cello francesa. Em Brahms, Debussy e Tchaikovsky, ele atua ao lado do pianista austríaco Franz Holetschek.
O registro (realizado apenas com a intenção de documentar a performance) não tem a qualidade sonora dos discos gravados "oficialmente" por Fournier -como a imbatível versão integral das seis "Suítes" para violoncelo solo de Bach, que faria dois anos depois. Mas oferece para a crítica uma rara oportunidade de reflexão, não só por surpreender um grande artista do passado no calor do espetáculo ao vivo, como também pelos sentidos inesperados que lança em direção ao presente.
Sua arte é marcada por uma elegância constante, inabalável: do braço direito - o que movimenta o arco-, emana uma compreensão direta da partitura, como se regesse a obra por dentro, na própria raiz do som. Mas não é só isso: ao mesmo tempo, a mão esquerda introduz um elemento de risco, de excesso, um transbordamento que recarrega continuamente a energia da música.
É assombroso como Fournier consegue manter essa tensão em uma obra como a "Sonata" para violoncelo solo de Kodaly, na qual mãos e dedos assumem novas funções a cada compasso.

Minúcia
O piano parece um pouco tímido diante dos rigores de Brahms, traçados tendo em vista um diálogo entre instrumentos de igual força, mas soa na medida em Debussy -que aconselhava o pianista "a não lutar contra o violoncelo, mas acompanhá-lo". Fournier constrói minuciosamente o som de cada passagem -a peça é carregada de evocações ibéricas-, enquanto Holetschek sustenta a continuidade do discurso.
A crítica do recital feita à época (há excertos transcritos no encarte) aponta para o que a escuta do disco não pode alcançar, como certo nervosismo pairando no início de Brahms ou o fato de Fournier ganhar completamente a plateia durante o solo de Kodaly. Separados por 52 anos do som que ecoou no Grande Auditório do Mozarteum de Salzburgo, temos, por força, outras demandas: e é a nós, hoje, que toca confrontar elegância e coragem.


BRAHMS/KODÁLY/DEBUSSY/ TSCHAIKOWSKY

Artista: Pierre Fournier / Franz Holetschek
Gravadora: Orfeo D'Or
Quanto: R$ 79, em média
Avaliação: ótimo




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