São Paulo, sexta-feira, 17 de março de 2006

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CD/CRÍTICA

Jussara realça a nobreza da canção

CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quatro meses atrás, ao se apresentar com a cantora Jussara Silveira, em São Paulo, o violonista Luiz Brasil expressou com uma imagem curiosa a sensação que esse duo de voz e violão lhe traz ao entrar no palco: andar numa corda bamba, sem rede de proteção. O despojamento desse formato oferece riscos mas também revela nuances sonoras que formações maiores escondem.
Registrado em estúdio, o show que a dupla tem exibido pelo país não é só a comemoração de uma harmoniosa parceria de 15 anos, como sugere a canção de Djavan escolhida para abrir e intitular esse CD. "Nobreza" é também, no melhor sentido, conceitual.
De cara, as 13 canções selecionadas pela cantora compõem um painel da diversidade rítmica brasileira do samba ao baião, do frevo ao samba-canção. Há compositores da Bahia (terra natal da dupla), do Rio, de São Paulo, de Alagoas e do Rio Grande do Sul. Mas, ao ouvi-las, se percebe que elas aparecem no lugar exato para compor uma história, desdobrada ao longo do CD. Cada canção é um fragmento do relato de uma relação amorosa.
Há verdadeiros achados, como "Cara Limpa", irônico samba de Paulo Vanzolini sobre o despeito, que Jussara já incluía em seus primeiros shows. Antiga também em seu repertório é "Eu Vou Te Esquecer" (Beto Pellegrino e Ariston), outra pérola da dor-de-cotovelo, que o arranjo hipnótico de Luiz Brasil, com direito a um arrojado solo de violão de 12 cordas, transforma em um dos momentos mais emocionantes do álbum.
Já a versão de "Quem Há de Dizer", samba-canção de Lupicínio Rodrigues, mestre da fossa, surpreende pelo tratamento delicado. Leve também é a interpretação de "Rosa Maria", desconhecido samba do Salgueiro, que Jussara cavou em um disco dos anos 40 do cantor Gilberto Alves.
A dupla também faz saborosas incursões pelo jazz e pelo tango. "Sonho de Verão" (versão de Nara Leão para "Moonlight Serenade") aparece na mesma gravação suave que fez parte da trilha da novela "Alma Gêmea". "O Sol Enganador" (versão de Vadim Nikitin para um tango russo de domínio público) ganha toques de flamenco no violão, que também brilha em "Baião de Quatro Toques" (Wisnik e Tatit).
Com leveza, elegância e toques de virtuosismo, Jussara e Luiz vencem fácil o desafio de cantar e tocar em duo, de igual para igual. E realçam com esse belo álbum a nobreza da canção brasileira.


Carlos Calado é jornalista e crítico, autor de "Tropicália - A História de Uma Revolução Musical", entre outro livros

Nobreza
   
Artistas: Jussara Silveira e Luiz Brasil
Gravadora: Maianga
Quanto: R$ 22, em média


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