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São Paulo, quinta-feira, 17 de abril de 2003

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"MIRE VEJA"

Montagem mergulha público no silêncio dos excluídos

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

"Eles Eram Muitos Cavalos", de Luiz Ruffato, é uma sequência de flashes do cotidiano urbano paulista. Ágil, como se o autor tomasse notas na rua, estabelece um painel sobre uma galeria de personagens que se cruzam e se completam sem quase se notarem. Além deles, as várias "locações" sugerem uma adaptação para o cinema, mas como imaginar isso no palco?
Um belo desafio para a ousada Companhia do Feijão: um texto inviável em teatro para as inviáveis vidas anônimas de São Paulo.
O fato desse princípio de risco ter se tornado um espetáculo muito bem-sucedido -foi escolhido pela crítica como a melhor entre as estréias do recente Festival de Curitiba- prova a incrível fé no taco desse grupo, que já vinha se destacando desde "O Ó da Viagem" e que agora se consagra.
Pedro Pires e Zernesto Pessoa, adaptadores e encenadores, entrelaçam 20 contos curtos com uma arrojada sintaxe cinematográfica, a partir de improvisos de atores preparados não só para trocar de personagem sem apoio de figurino ou maquiagem, como sugerir o cenário pela marcação e fazer a sonoplastia em cena.
E esses camaleões do Feijão também alternam-se na narração, indicando mudanças de tempo e local às quais o resto do elenco se adapta em segundos, e na paisagem sonora, por onomatopéias e discretas percussões.
Rodrigo Gaion de Oliveira comete a façanha de fazer simultaneamente o monólogo impagável de um taxista e os ruídos de seu automóvel em uma inventividade cênica que não se vê desde o "Macunaíma" de Antunes Filho.
Para esse painel, o texto é costurado em um movimento de aproximação: começa no sertão de Guimarães Rosa, e vem se aproximando da selva urbana. O tom passa de terno e jocoso a tragicamente comovente e encerra-se de modo inesquecível. "Mire Veja" começa como um caleidoscópio para mergulhar o público no silêncio que comunga a angústia dos excluídos, o silêncio roseano que é "a gente mesmo, demais".


Mire Veja    
Direção e dramaturgia: Pedro Pires e Zernesto Pessoa
Com: Companhia do Feijão
Onde: teatro de Arena Eugênio Kusnet (r. Dr. Teodoro Baima, 94, SP, tel. 0/xx/ 11/ 3256-9463)
Quando: de qui. a sáb., às 21h, e dom., às 20h; até 29/6
Quanto: de R$ 6 a R$ 12



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