|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Na rave com Zuenir
Se vocês virem um "tiozinho" e um "avozinho" circulando com pirulito na boca numa rave paulista, tratem-nos bem
|
OUTRO DIA fui numa rave. "Day
party" numa casa à beira da
represa de Guarapiranga.
Começava na madruga e ia até o final da noite. Não era das maiores,
mas o público beirava as mil pessoas. A grande atração era um DJ
alemão, um dos muitos considerados "o melhor do mundo". Cheguei
com um grupo de amigos e tudo,
tendas, banheiros, bares, pareceu-me organizadíssimo, como um
acampamento de escoteiros.
Era quase meio-dia e o baticum
estava no auge. Uma pequena multidão se aglomerava na pista diante do
DJ; outros dançavam à distância;
outros descansavam pela grama.
Não achei as pessoas especialmente
bonitas, mas havia gente interessante. E também bizarra, como as moças de chapéu de caubói e pirulito na
boca. Aliás, eu achava que o pirulito
era uma guloseima infantil extinta,
mas não, ele sobrevive entre o público de música eletrônica.
Para mim, tratava-se ao mesmo
tempo de um divertimento, num
ensolarado domingo paulista, e de
uma experiência antropológica. Isso
pode parecer estranho, mas gosto de
alguns gêneros de eletrônica, embora não consiga, na verdade, distingui-los com muita clareza.
Queria ver in loco esses agrupamentos de jovens se sacudindo ao
som de "trance" ou "minimal", eu
que em minha juventude freqüentava festivais de rock e showzões de
música brasileira.
Claro que há semelhanças, mas o
negócio me pareceu muito mais pacífico e ordeiro. Talvez isso possa ser
creditado a uma mudança, digamos,
de "matriz enérgica". Antigamente
muita gente consumia cocaína e bebia álcool destilado -uma mistura
de alta octanagem, daquelas de
transformar caminhão em carro de
corrida. Hoje, o pessoal chupa bala,
bebe água e se esfrega no transe.
Gostei da experiência e fiquei com
vontade de repeti-la, mesmo sabendo que, aos olhos da meninada,
aquele cara mais velho, de bermuda,
camiseta e boné, poderia, na melhor
das hipóteses, ser enquadrado na
simpática, mas também constrangedora, categoria de "tiozinho". Tudo bem, melhor "tiozinho" ligado
nas coisas que estão acontecendo do
que aprisionado no passado.
Estava me sentindo muito moderno com isso, até que, anteontem à
noite, encontrei, em São Paulo, o casal Mary e Zuenir Ventura. Uma satisfação imensa, ele que foi meu professor no mestrado da UFRJ e meu
primeiro chefe de verdade, na sucursal da "IstoÉ", no Rio, na virada
da década de 70 para a de 80.
Depois de abraços, afagos e recordações, eis que o grande jornalista,
que vai completar 76 anos no dia 1º
de junho, me segredou: "Fui a uma
rave lá no Rio".
Pasmo! E prosseguiu, me dizendo
que "como a cena paulista é diferente da carioca", está se programando
para ir a uma outra por aqui. Não,
Zuenir não pirou. Em sua inesgotável curiosidade, o autor do importante "Cidade Partida" prepara um
livro sobre os jovens de hoje.
Portanto, meninos e meninas, se
vocês por acaso virem um "tiozinho" e um "avozinho" circulando
com pirulito na boca numa rave
paulista, tratem-nos bem.
Nós merecemos!
Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: Documentário: Programa retrata motoboy em Londres Índice
|