São Paulo, quinta-feira, 17 de maio de 2007

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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Na rave com Zuenir


Se vocês virem um "tiozinho" e um "avozinho" circulando com pirulito na boca numa rave paulista, tratem-nos bem

OUTRO DIA fui numa rave. "Day party" numa casa à beira da represa de Guarapiranga.
Começava na madruga e ia até o final da noite. Não era das maiores, mas o público beirava as mil pessoas. A grande atração era um DJ alemão, um dos muitos considerados "o melhor do mundo". Cheguei com um grupo de amigos e tudo, tendas, banheiros, bares, pareceu-me organizadíssimo, como um acampamento de escoteiros.
Era quase meio-dia e o baticum estava no auge. Uma pequena multidão se aglomerava na pista diante do DJ; outros dançavam à distância; outros descansavam pela grama. Não achei as pessoas especialmente bonitas, mas havia gente interessante. E também bizarra, como as moças de chapéu de caubói e pirulito na boca. Aliás, eu achava que o pirulito era uma guloseima infantil extinta, mas não, ele sobrevive entre o público de música eletrônica.
Para mim, tratava-se ao mesmo tempo de um divertimento, num ensolarado domingo paulista, e de uma experiência antropológica. Isso pode parecer estranho, mas gosto de alguns gêneros de eletrônica, embora não consiga, na verdade, distingui-los com muita clareza.
Queria ver in loco esses agrupamentos de jovens se sacudindo ao som de "trance" ou "minimal", eu que em minha juventude freqüentava festivais de rock e showzões de música brasileira.
Claro que há semelhanças, mas o negócio me pareceu muito mais pacífico e ordeiro. Talvez isso possa ser creditado a uma mudança, digamos, de "matriz enérgica". Antigamente muita gente consumia cocaína e bebia álcool destilado -uma mistura de alta octanagem, daquelas de transformar caminhão em carro de corrida. Hoje, o pessoal chupa bala, bebe água e se esfrega no transe.
Gostei da experiência e fiquei com vontade de repeti-la, mesmo sabendo que, aos olhos da meninada, aquele cara mais velho, de bermuda, camiseta e boné, poderia, na melhor das hipóteses, ser enquadrado na simpática, mas também constrangedora, categoria de "tiozinho". Tudo bem, melhor "tiozinho" ligado nas coisas que estão acontecendo do que aprisionado no passado.
Estava me sentindo muito moderno com isso, até que, anteontem à noite, encontrei, em São Paulo, o casal Mary e Zuenir Ventura. Uma satisfação imensa, ele que foi meu professor no mestrado da UFRJ e meu primeiro chefe de verdade, na sucursal da "IstoÉ", no Rio, na virada da década de 70 para a de 80.
Depois de abraços, afagos e recordações, eis que o grande jornalista, que vai completar 76 anos no dia 1º de junho, me segredou: "Fui a uma rave lá no Rio".
Pasmo! E prosseguiu, me dizendo que "como a cena paulista é diferente da carioca", está se programando para ir a uma outra por aqui. Não, Zuenir não pirou. Em sua inesgotável curiosidade, o autor do importante "Cidade Partida" prepara um livro sobre os jovens de hoje.
Portanto, meninos e meninas, se vocês por acaso virem um "tiozinho" e um "avozinho" circulando com pirulito na boca numa rave paulista, tratem-nos bem.
Nós merecemos!


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