|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Comida
Rasante em Londres
Em visita a alguns dos melhores restaurantes da cidade, crítico conta como os chefs reinventam os sabores locais e aperfeiçoam a tão mal-afamada cozinha inglesa
JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA, EM LONDRES
Vinte anos atrás, o segredo
para comer bem em Londres
começava com uma instrução
básica: procure os chefs franceses. A segunda era: os italianos.
E os chineses, os paquistaneses. Em suma, fugir da comida
inglesa e dos britânicos que a
preparavam.
Os tempos mudaram, desde a
lufada renovadora soprada inicialmente pelo The River Café
(inaugurado em 1987), com sua
cozinha de ingredientes leves e
simples trabalhados com perícia. Talvez embalada pela euforia inicial da era Tony Blair (cuja ascensão correspondia a um
anseio renovador generalizado,
embora depois frustrado pelo
eleito), nasceu no Reino Unido
uma geração de chefs com
idéias originais, capazes não somente de realizar bons pratos
estrangeiros como também de
reinventar a cozinha de sua terra (fenômeno global que vem se
verificando em vários países).
Um gourmet curioso solto
em Londres por alguns dias
(como foi meu caso) é capaz,
atualmente, de passar por diversas experiências interessantes. Mesmo fiando-se em cozinheiros londrinos.
Mesmo não se restringindo aos restaurantes consagrados com as três estrelas do guia "Michelin". Mesmo indo atrás de uma feijoada
ou de um vatapá!
Instale-se no centro de Londres (no meu caso, o hotel Langham, supertradicional, renovado com uma bela reforma e estrategicamente colocado no
começo da Regent Street). Faça
seu plano de vôo rasante evitando o desespero do "fish and
chips" (peixe frito com batata
frita, às vezes comido na rua
mesmo); mas vá à luta em busca dos chefs locais -e lembre
de esquecer que cada libra gasta equivale a caros R$ 4.
Cozinha britânica? Pois não:
vá ao St. John. Seu lema é "nose
to tail eating", comida do focinho até o rabo, preparada pelo
chef Fergus Henderson. Fígado
de porco salgado, em fatias crocantes. Tripa com salsão. Intestinos de porco com rabanetes.
Ok, também frango cozido e
presunto. Na época, caças de
todo tipo, além de pães camponeses preparados na casa.
Cozinha elegante e em alto
estilo? Como em várias grandes
cidades do mundo, ela cada vez
mais pode ser encontrada nos
bons hotéis, onde contam com
retaguarda financeira que nem
sempre os chefs teriam. O tradicional Claridge's é um deles:
sedia um dos restaurantes do
chef-celebridade Gordon Ramsay, conhecido por "reality
shows" como "Hell's Kitchen".
Ramsay tem um restaurante
principal em Londres -que leva seu nome e é agraciado com
três estrelas no guia Michelin-
e outros que ele dirige em hotéis. Em Londres, apenas um
tem seu nome: é este Gordon
Ramsay at Claridge's. Diante da
figura histriônica que ele representa na TV e pela expansão de
seus negócios, o restaurante é
bem-comportado. A cozinha
bem elaborada tem pratos como cordeiro de relva salgada.
O Foliage não fica atrás: instalado no hotel Mandarin
Oriental, com vista para o Hyde
Park, tem cozinha mais moderna e eclética e igualmente bem
trabalhada. O menu do chef
Chris Staines tem várias opções
que você compõe como quiser.
Entre as boas escolhas, barriga
de porco com aipo-rábano, lagostins e trufas; e suflê de limão
com chá earl grey e sorbet.
No recém-inaugurado hotel
InterContinental, a estrela é
um chef que atuou por dez anos
(e foi sócio) no The River Café.
O restaurante tem o seu nome
-Theo Randall- e o estilo lembra o do famoso restaurante à
beira do Tâmisa: leve e mediterrâneo. Ali experimentei um
dos pratos mais fracos da temporada -um taglierini com camarõezinhos e abobrinha- e
também um dos melhores, um
rústico pombo inteiro de Anjou
(na França) marinado e assado
em lenha de madeira, com vagens novas, pancetta e folhas.
Cozinha brasileira
Fora de hotéis, vale passar no
Sketch: síntese da modernidade londrina, tem vários ambientes, decoração eclética,
efeitos luminosos, numa mistura de restaurante, clube noturno e bar privé. A consultoria
é de Pierre Gagnaire, cujo restaurante homônimo, em Paris,
(bem mais clássico) foi considerado o terceiro melhor do
mundo na enquete da revista
inglesa "Restaurant". A cozinha está distante da que ele
pratica na França, mas são interessantes suas versões do estrogonofe e do atum marinado
com gelatina japonesa.
A grande surpresa da viagem
foi o restaurante... brasileiro.
Aberto pelo inglês David Ponte
há três meses, o Mocotó fica
num bairro elegante e tem uma
arquitetura (do brasileiro Isay
Weinfeld) moderna e sólida,
com referências discretas ao
Brasil. A cozinha é para inglês
(e brasileiro) comer: ligeiramente estilizada no serviço, é
composta de produtos autênticos, receitas fiéis e executada
sem excessos. O cardápio foi
elaborado por um francês radicado no Brasil, Laurent Suaudeau, e surpreende os paladares locais com vatapá, feijoada,
picanha e por aí vai.
Em parte dos restaurantes citados, o consumo
do crítico JOSIMAR MELO foi pago pela agência
de turismo britânico no Brasil (VisitBritain)
Texto Anterior: Nina Horta: Televisivos Próximo Texto: Contardo Calligaris: Devaneios papais Índice
|