São Paulo, quinta-feira, 17 de maio de 2007

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Comida

Rasante em Londres

Em visita a alguns dos melhores restaurantes da cidade, crítico conta como os chefs reinventam os sabores locais e aperfeiçoam a tão mal-afamada cozinha inglesa

JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA, EM LONDRES

Vinte anos atrás, o segredo para comer bem em Londres começava com uma instrução básica: procure os chefs franceses. A segunda era: os italianos.
E os chineses, os paquistaneses. Em suma, fugir da comida inglesa e dos britânicos que a preparavam.
Os tempos mudaram, desde a lufada renovadora soprada inicialmente pelo The River Café (inaugurado em 1987), com sua cozinha de ingredientes leves e simples trabalhados com perícia. Talvez embalada pela euforia inicial da era Tony Blair (cuja ascensão correspondia a um anseio renovador generalizado, embora depois frustrado pelo eleito), nasceu no Reino Unido uma geração de chefs com idéias originais, capazes não somente de realizar bons pratos estrangeiros como também de reinventar a cozinha de sua terra (fenômeno global que vem se verificando em vários países).
Um gourmet curioso solto em Londres por alguns dias (como foi meu caso) é capaz, atualmente, de passar por diversas experiências interessantes. Mesmo fiando-se em cozinheiros londrinos.
Mesmo não se restringindo aos restaurantes consagrados com as três estrelas do guia "Michelin". Mesmo indo atrás de uma feijoada ou de um vatapá!
Instale-se no centro de Londres (no meu caso, o hotel Langham, supertradicional, renovado com uma bela reforma e estrategicamente colocado no começo da Regent Street). Faça seu plano de vôo rasante evitando o desespero do "fish and chips" (peixe frito com batata frita, às vezes comido na rua mesmo); mas vá à luta em busca dos chefs locais -e lembre de esquecer que cada libra gasta equivale a caros R$ 4.
Cozinha britânica? Pois não: vá ao St. John. Seu lema é "nose to tail eating", comida do focinho até o rabo, preparada pelo chef Fergus Henderson. Fígado de porco salgado, em fatias crocantes. Tripa com salsão. Intestinos de porco com rabanetes. Ok, também frango cozido e presunto. Na época, caças de todo tipo, além de pães camponeses preparados na casa.
Cozinha elegante e em alto estilo? Como em várias grandes cidades do mundo, ela cada vez mais pode ser encontrada nos bons hotéis, onde contam com retaguarda financeira que nem sempre os chefs teriam. O tradicional Claridge's é um deles: sedia um dos restaurantes do chef-celebridade Gordon Ramsay, conhecido por "reality shows" como "Hell's Kitchen".
Ramsay tem um restaurante principal em Londres -que leva seu nome e é agraciado com três estrelas no guia Michelin- e outros que ele dirige em hotéis. Em Londres, apenas um tem seu nome: é este Gordon Ramsay at Claridge's. Diante da figura histriônica que ele representa na TV e pela expansão de seus negócios, o restaurante é bem-comportado. A cozinha bem elaborada tem pratos como cordeiro de relva salgada.
O Foliage não fica atrás: instalado no hotel Mandarin Oriental, com vista para o Hyde Park, tem cozinha mais moderna e eclética e igualmente bem trabalhada. O menu do chef Chris Staines tem várias opções que você compõe como quiser.
Entre as boas escolhas, barriga de porco com aipo-rábano, lagostins e trufas; e suflê de limão com chá earl grey e sorbet. No recém-inaugurado hotel InterContinental, a estrela é um chef que atuou por dez anos (e foi sócio) no The River Café.
O restaurante tem o seu nome -Theo Randall- e o estilo lembra o do famoso restaurante à beira do Tâmisa: leve e mediterrâneo. Ali experimentei um dos pratos mais fracos da temporada -um taglierini com camarõezinhos e abobrinha- e também um dos melhores, um rústico pombo inteiro de Anjou (na França) marinado e assado em lenha de madeira, com vagens novas, pancetta e folhas.

Cozinha brasileira
Fora de hotéis, vale passar no Sketch: síntese da modernidade londrina, tem vários ambientes, decoração eclética, efeitos luminosos, numa mistura de restaurante, clube noturno e bar privé. A consultoria é de Pierre Gagnaire, cujo restaurante homônimo, em Paris, (bem mais clássico) foi considerado o terceiro melhor do mundo na enquete da revista inglesa "Restaurant". A cozinha está distante da que ele pratica na França, mas são interessantes suas versões do estrogonofe e do atum marinado com gelatina japonesa. A grande surpresa da viagem foi o restaurante... brasileiro.
Aberto pelo inglês David Ponte há três meses, o Mocotó fica num bairro elegante e tem uma arquitetura (do brasileiro Isay Weinfeld) moderna e sólida, com referências discretas ao Brasil. A cozinha é para inglês (e brasileiro) comer: ligeiramente estilizada no serviço, é composta de produtos autênticos, receitas fiéis e executada sem excessos. O cardápio foi elaborado por um francês radicado no Brasil, Laurent Suaudeau, e surpreende os paladares locais com vatapá, feijoada, picanha e por aí vai.


Em parte dos restaurantes citados, o consumo do crítico JOSIMAR MELO foi pago pela agência de turismo britânico no Brasil (VisitBritain)


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