São Paulo, quinta-feira, 17 de maio de 2007

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60º Festival de Cannes

Kar-wai opta pelo autoral em sua estréia americana

"My Blueberry Nights", com Norah Jones, abre competição oficial em Cannes

Recepção relativamente fria indica que público esperava "novidades", mas diretor chinês fica fiel a estilo de filmes como "2046"

PEDRO BUTCHER
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

A estréia de Wong Kar-wai em um filme de língua inglesa era um movimento inevitável. Cedo ou tarde, o mais festejado diretor chinês faria seu "début" nos EUA, terra do cinema.
A única dúvida era como esse movimento se daria. A resposta está em "My Blueberry Nights", que inaugurou ontem a 60ª edição do Festival de Cannes, cercado de expectativa por tudo o que representa.
Para além de suas qualidades cinematográficas, várias outras questões estão em jogo no longa. Trata-se, enfim, de uma típica produção globalizada, que mais parece ter sido feita sob encomenda para Cannes: o financiamento é europeu -do Studio Canal, braço cinematográfico do poderoso Canal Plus-, o diretor vem da Ásia - região mais querida dos curadores de festivais nos últimos anos- e o elenco estrelado garante o glamour necessário para uma noite de abertura.
O filme marca a estréia da cantora Norah Jones como atriz e apresenta, ainda, um time de apoio que conta com Jude Law, Rachel Weisz, Natalie Portman e David Strathairn.
O cineasta entregou um filme que tanto pode ser uma decepção ou uma surpresa. A relativa frieza dos aplausos na sessão de imprensa, ontem pela manhã, bem como alguns comentários à saída do cinema, mostram a frustração pela falta de "novidade" do filme.
Mas a surpresa está justamente aí. Apesar de lidar com elementos tão estrangeiros à sua obra, Kar-wai fez uma nova variação em torno dos temas de "Amor à Flor da Pele" e "2046", mantendo-se radicalmente fiel à sua estética. Ou seja, fez um filme radicalmente autoral, sem muitas concessões.
À medida que "My Blueberry Nights" se desenrola, vemos como o diretor fez os elementos estranhos se adaptarem ao seu universo, e não o contrário.

Nova York e Hong Kong
Nova York, por exemplo, torna-se estranhamente parecida com Hong Kong. O tipo físico das três atrizes escolhidas lembra as atrizes asiáticas favoritas do diretor (como Maggie Cheung). Até mesmo a trilha sonora original, assinada por Ry Cooder, é ofuscada pelo tema de "Amor...", que reaparece com um arranjo americanizado, lembrando um blues.
Na entrevista coletiva que se seguiu à projeção para a imprensa, ficou claro que Kar-wai trabalhou com total liberdade e não abdicou de seus métodos pouco ortodoxos. "My Blueberry Nights" nasceu do singular desejo do autor de trabalhar com Norah Jones. Ele recuperou uma história que já havia transformado em curta (apresentado aqui mesmo em Cannes, em sua Lição de Cinema, cinco anos atrás), e usou como base para esse novo longa.
Essa história deu origem a um argumento, escrito pelo próprio cineasta, em torno de uma jovem (Jones) que supera a perda de um amor ao se deparar com a dor dos outros. Ela se encontra, primeiro, com o dono de um café (Law) abandonado pela namorada; depois, com um policial alcóolatra (Strathairn) que não se conforma com a separação; e, por fim, com uma jovem viciada em jogo (Portman), que perde o pai.

Improvisação
O argumento foi transformado em roteiro pelo escritor Lawrence Block e usado como base nas filmagens, marcadas pela mesma liberdade de seus filmes chineses. "O roteiro foi apenas um guia, os atores puderam improvisar e trazer muito de si para os personagens", disse Kar-wai. "Nunca havia trabalhado com um diretor que valorizasse tanto a fisicalidade dos personagens", contou Law.
O resultado é um filme de pequenas ambições. "My Blueberry Nights" é um filme singular, que traz um grande frescor pela forma com que as paisagens americanas são retratadas e que se recusa a impor o choque em nome de um fácil sucesso internacional.


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