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60º Festival de Cannes
Kar-wai opta pelo autoral em sua estréia americana
"My Blueberry Nights", com Norah Jones, abre competição oficial em Cannes
Recepção relativamente fria indica que público esperava "novidades", mas diretor chinês fica fiel a estilo de filmes como "2046"
PEDRO BUTCHER
ENVIADO ESPECIAL A CANNES
A estréia de Wong Kar-wai
em um filme de língua inglesa
era um movimento inevitável.
Cedo ou tarde, o mais festejado
diretor chinês faria seu "début"
nos EUA, terra do cinema.
A única dúvida era como esse
movimento se daria. A resposta
está em "My Blueberry
Nights", que inaugurou ontem
a 60ª edição do Festival de Cannes, cercado de expectativa por
tudo o que representa.
Para além de suas qualidades
cinematográficas, várias outras
questões estão em jogo no longa. Trata-se, enfim, de uma típica produção globalizada, que
mais parece ter sido feita sob
encomenda para Cannes: o financiamento é europeu -do
Studio Canal, braço cinematográfico do poderoso Canal
Plus-, o diretor vem da Ásia -
região mais querida dos curadores de festivais nos últimos
anos- e o elenco estrelado garante o glamour necessário para uma noite de abertura.
O filme marca a estréia da
cantora Norah Jones como
atriz e apresenta, ainda, um time de apoio que conta com Jude Law, Rachel Weisz, Natalie
Portman e David Strathairn.
O cineasta entregou um filme que tanto pode ser uma decepção ou uma surpresa. A relativa frieza dos aplausos na sessão de imprensa, ontem pela
manhã, bem como alguns comentários à saída do cinema,
mostram a frustração pela falta
de "novidade" do filme.
Mas a surpresa está justamente aí. Apesar de lidar com
elementos tão estrangeiros à
sua obra, Kar-wai fez uma nova
variação em torno dos temas de
"Amor à Flor da Pele" e "2046",
mantendo-se radicalmente fiel
à sua estética. Ou seja, fez um
filme radicalmente autoral,
sem muitas concessões.
À medida que "My Blueberry
Nights" se desenrola, vemos
como o diretor fez os elementos estranhos se adaptarem ao
seu universo, e não o contrário.
Nova York e Hong Kong
Nova York, por exemplo, torna-se estranhamente parecida
com Hong Kong. O tipo físico
das três atrizes escolhidas lembra as atrizes asiáticas favoritas
do diretor (como Maggie
Cheung). Até mesmo a trilha
sonora original, assinada por
Ry Cooder, é ofuscada pelo tema de "Amor...", que reaparece
com um arranjo americanizado, lembrando um blues.
Na entrevista coletiva que se
seguiu à projeção para a imprensa, ficou claro que Kar-wai
trabalhou com total liberdade e
não abdicou de seus métodos
pouco ortodoxos. "My Blueberry Nights" nasceu do singular desejo do autor de trabalhar
com Norah Jones. Ele recuperou uma história que já havia
transformado em curta (apresentado aqui mesmo em Cannes, em sua Lição de Cinema,
cinco anos atrás), e usou como
base para esse novo longa.
Essa história deu origem a
um argumento, escrito pelo
próprio cineasta, em torno de
uma jovem (Jones) que supera
a perda de um amor ao se deparar com a dor dos outros. Ela se
encontra, primeiro, com o dono
de um café (Law) abandonado
pela namorada; depois, com
um policial alcóolatra (Strathairn) que não se conforma
com a separação; e, por fim,
com uma jovem viciada em jogo (Portman), que perde o pai.
Improvisação
O argumento foi transformado em roteiro pelo escritor Lawrence Block e usado como base nas filmagens, marcadas pela mesma liberdade de seus filmes chineses. "O roteiro foi
apenas um guia, os atores puderam improvisar e trazer muito de si para os personagens",
disse Kar-wai. "Nunca havia
trabalhado com um diretor que
valorizasse tanto a fisicalidade
dos personagens", contou Law.
O resultado é um filme de pequenas ambições. "My Blueberry Nights" é um filme singular, que traz um grande frescor
pela forma com que as paisagens americanas são retratadas
e que se recusa a impor o choque em nome de um fácil sucesso internacional.
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