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LIVRO/LANÇAMENTO
Os holandeses Jean Klare e Louise van Swaaij constroem "Atlas da Experiência Humana" divertido
Cartógrafos traçam mapas sentimentais
MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA
O ser humano gosta de criar lugares imaginários: em todas as
culturas, o folclore dá testemunho
disso. Os gregos antigos falavam
da misteriosa Atlântida, os guaranis periodicamente iam em busca
da Terra sem Males.
Na literatura, ficcional ou não,
esses lugares desempenham um
papel importante: é o caso da Utopia, em que Thomas Morus sediou a sociedade ideal, ou da Liliput de Jonathan Swift, ou da Macondo de García Márquez, sem
falar em Pasárgada ou no Sítio do
Picapau Amarelo. Na verdade, é
tão grande a mítica lista que, com
ela, Alberto Manguel e Gianni
Guadalupi organizaram um volume de 500 páginas, o "Dicionário
dos Lugares Imaginários".
Mapas, pelo contrário, reportam-se a lugares reais. Mas, na antigüidade e na Idade Média, o mapa era, freqüentemente, a representação gráfica de um exercício
da imaginação. Era pouco o que
se sabia do mundo; as lacunas do
conhecimento eram preenchidas
com legendas do tipo "Aqui existem monstros". Mas com as navegações, primeiro, e com os avanços da tecnologia, depois, a cartografia tornou-se uma atividade
científica -e praticamente despida de encantos mágicos.
Mapa é uma coisa que a gente
consulta com fins práticos, para
saber que estrada tomar, para
descobrir onde fica determinado
bairro numa cidade. É verdade
que a palavra ainda tem conotação metafórica: falamos, por
exemplo, no "mapa da mina" para descrever o seguro jeito de conseguir algo. E recentemente a expressão "road map" foi usada,
verdade que sem muito êxito, para descrever um caminho da paz
no Oriente Médio. De outra parte,
o leigo pode se perguntar: qual a
graça de desenhar um mapa numa época em que as fotos de satélite nos mostram a superfície terrestre com tanta exatidão?
Os cartógrafos holandeses Jean
Klare e Louise van Swaaij dão
uma resposta em seu fascinante
"Atlas da Experiência Humana",
que nasceu, em 1997 de maneira
modesta, com um único mapa do
mundo dos sentimentos. Essa iniciativa evoluiu para um atlas com
23 "mapas" que de imediato tornou-se best-seller, vendendo 400
mil exemplares em vários países
(reais, não imaginários).
A curta obra é dividida em capítulos: "Desertos Gelados", "Rio de
Idéias", "Ilhas do Esquecimento",
cada um deles correspondendo a
um mapa, que, na realidade, é o
ponto de partida gráfico para a reflexão dos autores sobre o tema
proposto.
Os mapas falam por si. No mapa
do "Conhecimento" vemos que
há uma localidade chamada "Sabedoria", convenientemente localizada próxima à "Cordilheira
da Educação" (considerando a
quantidade de montanhas que se
deve transpor no processo educativo, só podia ser mesmo uma
cordilheira). Nesse mapa, "Criatividade" não está longe de "Fantasia" nem de "Brainstorm".
No mapa dos "Maus Hábitos",
"Poder" está próximo a "Repressão", mas tem de se cuidar, porque "Deboche" está logo ali. Nos
"Desertos Gelados", encontramos "Sarcasmo", "Indiferença",
"Desprezo". O livro nos revela
que a "Torre de Babel" existe; fica
perto da "Cidade do Caos". No
"Mar da Abundância", há uma
ilha; ao norte desta, temos "À la
Carte", mas no sul está "Fast
Food". Cada um de nós poderia
fazer mapas semelhantes, mas este também é um mérito da obra:
ela apela à nossa imaginação, ela
nos faz navegar no "Mar das Possibilidades".
Os textos, por sua vez, são pequenos ensaios que se lê com facilidade e prazer. Constam tanto de
reflexões dos autores como de citações, que aparecem em abundância. O que surpreende aqui é o
espírito eclético dos autores, que
misturam o erudito e o popular, o
"high-brow" e o "low-brow".
Dessa maneira temos Madonna e
John Locke, Montaigne e Steve
Martin, o Talmude e a Lei de Parkinson, Platão e ikebana, Lewis
Carroll e Billy Ocean, Händel e
George Bush (o pai), Coleridge e
Monty Python, Aristóteles e Jimi
Hendrix, Petrarca e Woody Allen,
William James e The Who.
Entre esses pólos, oscilam os autores, mas sua contribuição não
raro é surpreendente: "Esquecer é
selecionar". Querem coisa mais
consoladora para a pessoa de
meia-idade que morre de medo
do Alzheimer?
É possível que alguém rotule esse livro como auto-ajuda. Mesmo
que esse fosse o caso, estaríamos
diante de uma auto-ajuda diferente, culta, informada, divertida.
Uma Ilha de Inteligência no Oceano da Mediocridade.
ATLAS DA EXPERIÊNCIA HUMANA.
De:
Louise van Swaaij e Jean Klare. Editora:
Publifolha. Quanto 39 (96 págs.).
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