São Paulo, sábado, 17 de julho de 2004

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LIVRO/LANÇAMENTO

Os holandeses Jean Klare e Louise van Swaaij constroem "Atlas da Experiência Humana" divertido

Cartógrafos traçam mapas sentimentais

MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA

O ser humano gosta de criar lugares imaginários: em todas as culturas, o folclore dá testemunho disso. Os gregos antigos falavam da misteriosa Atlântida, os guaranis periodicamente iam em busca da Terra sem Males.
Na literatura, ficcional ou não, esses lugares desempenham um papel importante: é o caso da Utopia, em que Thomas Morus sediou a sociedade ideal, ou da Liliput de Jonathan Swift, ou da Macondo de García Márquez, sem falar em Pasárgada ou no Sítio do Picapau Amarelo. Na verdade, é tão grande a mítica lista que, com ela, Alberto Manguel e Gianni Guadalupi organizaram um volume de 500 páginas, o "Dicionário dos Lugares Imaginários".
Mapas, pelo contrário, reportam-se a lugares reais. Mas, na antigüidade e na Idade Média, o mapa era, freqüentemente, a representação gráfica de um exercício da imaginação. Era pouco o que se sabia do mundo; as lacunas do conhecimento eram preenchidas com legendas do tipo "Aqui existem monstros". Mas com as navegações, primeiro, e com os avanços da tecnologia, depois, a cartografia tornou-se uma atividade científica -e praticamente despida de encantos mágicos.
Mapa é uma coisa que a gente consulta com fins práticos, para saber que estrada tomar, para descobrir onde fica determinado bairro numa cidade. É verdade que a palavra ainda tem conotação metafórica: falamos, por exemplo, no "mapa da mina" para descrever o seguro jeito de conseguir algo. E recentemente a expressão "road map" foi usada, verdade que sem muito êxito, para descrever um caminho da paz no Oriente Médio. De outra parte, o leigo pode se perguntar: qual a graça de desenhar um mapa numa época em que as fotos de satélite nos mostram a superfície terrestre com tanta exatidão?
Os cartógrafos holandeses Jean Klare e Louise van Swaaij dão uma resposta em seu fascinante "Atlas da Experiência Humana", que nasceu, em 1997 de maneira modesta, com um único mapa do mundo dos sentimentos. Essa iniciativa evoluiu para um atlas com 23 "mapas" que de imediato tornou-se best-seller, vendendo 400 mil exemplares em vários países (reais, não imaginários).
A curta obra é dividida em capítulos: "Desertos Gelados", "Rio de Idéias", "Ilhas do Esquecimento", cada um deles correspondendo a um mapa, que, na realidade, é o ponto de partida gráfico para a reflexão dos autores sobre o tema proposto.
Os mapas falam por si. No mapa do "Conhecimento" vemos que há uma localidade chamada "Sabedoria", convenientemente localizada próxima à "Cordilheira da Educação" (considerando a quantidade de montanhas que se deve transpor no processo educativo, só podia ser mesmo uma cordilheira). Nesse mapa, "Criatividade" não está longe de "Fantasia" nem de "Brainstorm".
No mapa dos "Maus Hábitos", "Poder" está próximo a "Repressão", mas tem de se cuidar, porque "Deboche" está logo ali. Nos "Desertos Gelados", encontramos "Sarcasmo", "Indiferença", "Desprezo". O livro nos revela que a "Torre de Babel" existe; fica perto da "Cidade do Caos". No "Mar da Abundância", há uma ilha; ao norte desta, temos "À la Carte", mas no sul está "Fast Food". Cada um de nós poderia fazer mapas semelhantes, mas este também é um mérito da obra: ela apela à nossa imaginação, ela nos faz navegar no "Mar das Possibilidades".
Os textos, por sua vez, são pequenos ensaios que se lê com facilidade e prazer. Constam tanto de reflexões dos autores como de citações, que aparecem em abundância. O que surpreende aqui é o espírito eclético dos autores, que misturam o erudito e o popular, o "high-brow" e o "low-brow". Dessa maneira temos Madonna e John Locke, Montaigne e Steve Martin, o Talmude e a Lei de Parkinson, Platão e ikebana, Lewis Carroll e Billy Ocean, Händel e George Bush (o pai), Coleridge e Monty Python, Aristóteles e Jimi Hendrix, Petrarca e Woody Allen, William James e The Who.
Entre esses pólos, oscilam os autores, mas sua contribuição não raro é surpreendente: "Esquecer é selecionar". Querem coisa mais consoladora para a pessoa de meia-idade que morre de medo do Alzheimer?
É possível que alguém rotule esse livro como auto-ajuda. Mesmo que esse fosse o caso, estaríamos diante de uma auto-ajuda diferente, culta, informada, divertida. Uma Ilha de Inteligência no Oceano da Mediocridade.


ATLAS DA EXPERIÊNCIA HUMANA.
De: Louise van Swaaij e Jean Klare. Editora: Publifolha. Quanto 39 (96 págs.).



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