São Paulo, sábado, 17 de julho de 2004

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"CULTURA DA AGRESSIVIDADE"

Psicanalista examina acústica da violência

GILBERTO FELISBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

A metástase da violência na sociedade. Motoboys correndo a mil, motoristas insanos, pedestres abusados, jogo do bicho, bingo, escolas onde professores levam porrada dos alunos, TV pornô, igrejas salvacionistas e ruidosas, droga e alcoolismo, torcidas boçais de futebol, funkeiros e rappers, malhação e terrorismo. Isso tudo se encontra em "Cultura da Agressividade", livro bem escrito do psicanalista Jacob Pinheiro Goldberg sobre a violência na sociedade contemporânea.
Não se trata de estudo sistemático em que se discutem causas históricas da agressividade e a possibilidade concreta de sua superação, mas sim de um mosaico fragmentado no qual sobressai um estilo aforismático: "O guerrilheiro é o órfão da noção de Deus".
A sua abordagem põe ênfase no aspecto moral, psicológico, espiritual, educacional. "Duas são as teses opostas mais populares: a afirmação de que a miséria econômica é a única responsável pelo agravamento do índice de criminalidade (embora Caim não morasse na favela...), e aquela que afirma ser o fenômeno oriundo de uma destinação maldita, uma espécie de vingança do azar."
Nascido mineiro, o autor tem ojeriza por Hitler. Esse talvez seja o personagem mais citado em seu livro. A encarnação da violência é Auschwitz, sem deixar de lado o Gulag soviético: destarte para ele o totalitarismo nazi é igual ao totalitarismo stalinista, a despeito da diferença entre capitalismo e socialismo.
À maneira dos novos filósofos franceses, que são os representantes do pós-modernismo, Goldberg está convencido de que "a fixação ateísta de Marx" vai dar no Gulag, como se o livro "O Capital" fosse um manual de categorias carcerárias.
O autor vê com desconfiança o líder, o carisma, o ídolo, tanto do ponto de vista psicológico quanto político. De Antônio Conselheiro a Getúlio Vargas. "Canudos e São Borja são duas faces do mesmo impulso inconsciente."
O risco dessa abordagem psicologizante é nivelar coisas politicamente distintas, colocando no mesmo balaio o suicídio de Getúlio Vargas, a renúncia de Jânio Quadros e a aprontação de Fernando Collor.
O ponto alto desse livro é quando o autor sublinha o fator acústico na produção da agressividade: "Na vida coletiva, o som tem uma influência ilimitada".
Vide a influência do som sincopado do rádio na ascensão do nazismo, conforme já havia sublinhado McLuhan e, antes deste, Walter Benjamin.
Assinala Jacob Pinheiro Goldberg: "A hipnose no ouvinte, que troca o raciocínio pelo embalo. Isso é constatado nos discursos dos caudilhos tribais, ambíguos, em que o eco é mais importante que a frase. A repetição, o esdrúxulo e o inusitado ocupam o lugar do raciocínio lógico e da idéia bem disposta". A isso está conectado o uso extensivo dos "combustíveis de hidrocarbonetos", ou seja, o mega-rodoviarismo engendra erosões na psiquê do homem contemporâneo.
É curioso que, não obstante essa arguta conceituação, o autor tem o maior xodó pelas canções dos Beatles e dos Rolling Stones, as quais têm alterado nervosamente o batimento cardíaco da humanidade. O padre Antônio Vieira já dizia: ouvido é coração.


Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de "A Salvação da Lavoura" (ed. Casa Amarela)
Cultura da Agressividade
    
Autor: Jacob Pinheiro Goldberg
Editora: Landy
Quanto: R$ 35 (168 págs.)


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