São Paulo, sábado, 17 de julho de 2004

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FESTIVAL DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

Companhias locais, de Votuporanga e de Campinas têm projetos na programação do evento

Drama do interior

VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

"Não acredito em teatro de grupo", diz o diretor Ricardo Matioli, 40, um dos fundadores da cia. Palhaços Noturnos, criada há 17 anos em São José do Rio Preto.
"Fazemos teatro para contribuir com a formação de público e, também, com a formação política de quem nos assiste", diz o diretor Harlen Felix, 27, da cia. Das Tripas ao Coração, da vizinha Votuporanga, 10.
Pode soar estranho, mas, a cerca de 450 km de São Paulo, na região noroeste, há companhias que somam mais de década levando adiante seus projetos estéticos, ideológicos, por vezes com a mesma inquietação de alguns congêneres da capital.
Não é necessário ir muito longe. Campinas (a 99 km de SP) teve o distrito de Barão Geraldo, onde fica a Unicamp, convertido nos últimos anos em um dos exemplos mais bem acabados do que se convencionou chamar teatro de pesquisa.
Quem irradiou essa perspectiva ali na região foi o Lume, núcleo interdisciplinar de pesquisas teatrais da Unicamp, criado há quase 20 anos. O grupo passou há pouco por São Paulo com "Shi-Zen, 7 Cuias", fusão com a dança butô, e volta no final do mês com o espetáculo "Café com Queijo", no Sesc Belenzinho.
Todos esses grupos citados participam da programação do Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, que acontece numa cidade com lastro na recepção de espetáculos de todo o país. O evento surgiu em 1969 e tornou-se internacional há quatro anos (ainda que, neste 2004, constem apenas três peças estrangeiras na programação).
Não há mais a mostra competitiva, para a qual convergiam sobretudo universitários, mas segue como espaço privilegiado e disputado por companhias de São Paulo e de outros Estados.
É em cima dessa tradição da cidade que Matioli abriu veredas para o Palhaços Noturnos, nome tirado da canção "Nós", de Cazuza e Frejat. O grupo, leia-se Matioli, que diz que o grupo é ele, se apresenta no festival desde o final dos anos 80.
Nessa edição, o Palhaços estréia hoje "O Amor que Ousa Dizer Seu Nome", adaptação do roteiro de "Eu Sei que Vou te Amar" (1986), de Arnaldo Jabor, conjugado a artigos recentes do cineasta e cronista sobre a dor e a delícia dos relacionamentos amorosos.
Sobre um tapete circular verde, ponto branco ao centro, oito adolescentes interpretam os papéis em figurinos de jogadores de futebol, chuteiras incluídas.
Amanhã, é a vez da cia. Das Tripas ao Coração encenar "Tio Patinhas e o Teatro do Comprimido", peça que Augusto Boal escreveu em 1968, sobre um empreendedor estrangeiro que vai em busca de novos mercados num país tropical e hospitaleiro no qual abundam recursos naturais e cujo presidente é ingênuo e ganancioso.
Ao contrário de Rio Preto, Votuporanga era pouca afeita ao teatro até 1997, quando o diretor Harlen Felix e amigos fundaram sua companhia. No início, diz ele, optou-se por uma linha mais popular, releituras de lendas como a do lobisomem e a da mula-sem-cabeça. "Foi o caminho que encontramos para criar o hábito de ir ao teatro", diz Felix.
Cumprida essa primeira fase, até 2002, o grupo passou então a levar à cena uma dramaturgia de cunho mais político. A afinidade desses artistas com as técnicas do Teatro do Oprimido, desenvolvidas por Boal a partir dos anos 70, levou a "Tio Patinhas e o Teatro do Comprimido".
Da distância de 84 km que a separa de Votuporanga, Rio Preto é vista como uma espécie de "metrópole do sertão", nas palavras de Felix, onde a cultura teatral está adiantada e, não raras vezes, tende a desdenhar daqueles que estão fora do centro, como muitas vezes o faz a autocentrada São Paulo.
"Vamos fazer o sertão virar mar", brinca Felix, que admite o entusiasmo do elenco em, pela primeira vez, dizer a que veio em palco prestigiado da região.
A respeito desse sertão rio-pretano, uma outra companhia local, a Ar-Cênico, pretende mostrar uma leitura peculiar que casa dança e teatro. Em "Sertões", diz o diretor Wander Ferreira Junnior, cruzam-se o sertão geográfico da cidade, o sertão estético e o sertão "interpessoal e subjetivo do encontro do artista com o público". Haja horizonte.


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