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FESTIVAL DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO
Companhias locais, de Votuporanga e de Campinas têm projetos na programação do evento
Drama do interior
VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A SÃO JOSÉ DO RIO PRETO
"Não acredito em teatro de grupo", diz o diretor Ricardo Matioli,
40, um dos fundadores da cia. Palhaços Noturnos, criada há 17 anos
em São José do Rio Preto.
"Fazemos teatro para contribuir
com a formação de público e, também, com a formação política de
quem nos assiste", diz o diretor
Harlen Felix, 27, da cia. Das Tripas
ao Coração, da vizinha Votuporanga, 10.
Pode soar estranho, mas, a cerca
de 450 km de São Paulo, na região
noroeste, há companhias que somam mais de década levando
adiante seus projetos estéticos,
ideológicos, por vezes com a mesma inquietação de alguns congêneres da capital.
Não é necessário ir muito longe.
Campinas (a 99 km de SP) teve o
distrito de Barão Geraldo, onde fica a Unicamp, convertido nos últimos anos em um dos exemplos
mais bem acabados do que se convencionou chamar teatro de pesquisa.
Quem irradiou essa perspectiva
ali na região foi o Lume, núcleo interdisciplinar de pesquisas teatrais
da Unicamp, criado há quase 20
anos. O grupo passou há pouco
por São Paulo com "Shi-Zen, 7
Cuias", fusão com a dança butô, e
volta no final do mês com o espetáculo "Café com Queijo", no Sesc
Belenzinho.
Todos esses grupos citados participam da programação do Festival Internacional de Teatro de São
José do Rio Preto, que acontece
numa cidade com lastro na recepção de espetáculos de todo o país.
O evento surgiu em 1969 e tornou-se internacional há quatro anos
(ainda que, neste 2004, constem
apenas três peças estrangeiras na
programação).
Não há mais a mostra competitiva, para a qual convergiam sobretudo universitários, mas segue como espaço privilegiado e disputado por companhias de São Paulo e
de outros Estados.
É em cima dessa tradição da cidade que Matioli abriu veredas para o Palhaços Noturnos, nome tirado da canção "Nós", de Cazuza e
Frejat. O grupo, leia-se Matioli,
que diz que o grupo é ele, se apresenta no festival desde o final dos
anos 80.
Nessa edição, o Palhaços estréia
hoje "O Amor que Ousa Dizer Seu
Nome", adaptação do roteiro de
"Eu Sei que Vou te Amar" (1986),
de Arnaldo Jabor, conjugado a artigos recentes do cineasta e cronista sobre a dor e a delícia dos relacionamentos amorosos.
Sobre um tapete circular verde,
ponto branco ao centro, oito adolescentes interpretam os papéis
em figurinos de jogadores de futebol, chuteiras incluídas.
Amanhã, é a vez da cia. Das Tripas ao Coração encenar "Tio Patinhas e o Teatro do Comprimido",
peça que Augusto Boal escreveu
em 1968, sobre um empreendedor
estrangeiro que vai em busca de
novos mercados num país tropical
e hospitaleiro no qual abundam
recursos naturais e cujo presidente é ingênuo e ganancioso.
Ao contrário de Rio Preto, Votuporanga era pouca afeita ao teatro
até 1997, quando o diretor Harlen
Felix e amigos fundaram sua companhia. No início, diz ele, optou-se
por uma linha mais popular, releituras de lendas como a do lobisomem e a da mula-sem-cabeça.
"Foi o caminho que encontramos
para criar o hábito de ir ao teatro",
diz Felix.
Cumprida essa primeira fase, até
2002, o grupo passou então a levar
à cena uma dramaturgia de cunho
mais político. A afinidade desses
artistas com as técnicas do Teatro
do Oprimido, desenvolvidas por
Boal a partir dos anos 70, levou a
"Tio Patinhas e o Teatro do Comprimido".
Da distância de 84 km que a separa de Votuporanga, Rio Preto é
vista como uma espécie de "metrópole do sertão", nas palavras de
Felix, onde a cultura teatral está
adiantada e, não raras vezes, tende
a desdenhar daqueles que estão
fora do centro, como muitas vezes
o faz a autocentrada São Paulo.
"Vamos fazer o sertão virar
mar", brinca Felix, que admite o
entusiasmo do elenco em, pela
primeira vez, dizer a que veio em
palco prestigiado da região.
A respeito desse sertão rio-pretano, uma outra companhia local,
a Ar-Cênico, pretende mostrar
uma leitura peculiar que casa
dança e teatro. Em "Sertões", diz
o diretor Wander Ferreira Junnior, cruzam-se o sertão geográfico da cidade, o sertão estético e o
sertão "interpessoal e subjetivo
do encontro do artista com o público". Haja horizonte.
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